Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Decodificando o Evangelho segundo Pablo Marçal

Ex-coach se apropriou da mensagem pentecostal de que é perseguido por seguir o chamado de Deus

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O ex-coach Pablo Marçal afirma que não é evangélico e já comparou igrejas a facções, gangues e times de futebol. Apesar disso, ele é o preferido entre esses cristãos na corrida eleitoral pela Prefeitura de São Paulo. Isso nos convida a perguntar: com quais evangélicos ele dialoga e o que esses cristãos veem nele?

Um ponto de partida para responder a essas perguntas é a Videira, igreja fundada em Goiânia, que celebrou 25 anos no último sábado (7) com um evento transmitido ao vivo pela Globo, com a presença do ex-coach. Marçal mantém uma relação próxima com o pastor Aluízio Silva, fundador da Videira, e diz: "Por 20 anos, fui treinado por um homem de Deus."

Três ideias são centrais para entender o que ele absorveu dessa experiência: pentecostalismo, prosperidade e igreja em células.

Quando se fala de pentecostalismo, as imagens mais comuns envolvem fiéis ajoelhados, de olhos fechados, com os braços erguidos, proclamando louvores. No entanto, para decodificar a conexão de Marçal com evangélicos é relevante pensar no aspecto de insubordinação desses religiosos, que desafiam hierarquias e convenções reafirmando sua obediência exclusiva a Deus.

Marçal ilustrou essa ideia quando foi impedido de concorrer à Presidência em 2022. Ele relatou em uma igreja de Goiânia: "Uma senadora me ligou e disse 'desista de ser presidente e seja vice do meu partido'. Mas eu só tenho uma coisa a fazer: obedecer ao meu chamado". E completou: "A perseguição me deu mais vontade de fazer a coisa certa".

Outro conceito importante é a prosperidade, que encontra eco em muitas denominações, como a Igreja Universal e também a Videira. A noção é que Deus abençoa aqueles que são fiéis, melhorando sua qualidade de vida. Marçal incorpora essa ideia ao seu discurso: "Quanto mais Deus te abençoa, mais você é perseguido. E o nível da perseguição corresponde à prosperidade que você vai alcançar", afirmou no mesmo culto em Goiás.

Pablo Marçal no aniversário de 25 anos da Igreja da Videira, em Goiânia
Pablo Marçal no aniversário de 25 anos da Igreja da Videira, em Goiânia - Igreja da Videira no Instagram

Marçal adapta para sua atuação como coach o uso de técnicas de programação neurolinguística para "destravar" bloqueios pessoais. Seu objetivo, assim como o das igrejas da prosperidade, é que seus mentorados renasçam descobrindo sua missão, ou, como ele chama, sua "essência", para atuar no mundo.

O último conceito é o de célula. Na Videira, esse é um ponto tão importante que sob sua logomarca está escrito "igreja em célula". Trata-se de um modelo de gestão no qual o fiel é visto como um empreendedor da fé, encarregado de estabelecer células de louvor em casas. Nesse trabalho, o hoje candidato aprendeu a evangelizar, a liderar e a fazer sua rede crescer.

Marçal é um candidato duro de ser combatido por representar um pacote que reúne defesa da família e combate ao comunismo, visto como doutrina que escraviza o pobre a sua condição de dependência. Ele encarna a ideia de que "aprender a pescar" é melhor do que depender do governo. E se apropriou da mensagem pentecostal antissistema, de quem é perseguido por seguir o chamado de Deus.

Isso deixa adversários de Marçal em uma posição incômoda. Ao atacá-lo, atacam também o sonho —muitas vezes desesperado— de quem se sente perseguido e busca, pelo cristianismo, um caminho para prosperar.

spyer@uol.com.br

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