Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

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Celso Rocha de Barros

Mercado só enxerga problema quando vira gasto

Por outro lado, esquerda às vezes só enxerga a crise quando ela vira corte de gastos

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Uma pesquisa Genial/Quaest revelou que 98% dos gestores de mercado (em uma amostra de 82) reprovam os rumos da política econômica de Lula. A primeira coisa a ser dita é que se os 2% de gestores que discordam estiverem certos devem fazer uma boa grana nos próximos anos.

Em um certo sentido, o resultado da pesquisa era de se esperar. Os gestores de fundos certamente estão entre os 1% mais ricos da população, que não é território eleitoral fértil para a esquerda. E seria ridículo não reconhecer que os gestores, como todos os outros seres humanos, têm suas opiniões políticas.

Por exemplo, esta coluna está desde dezembro perplexa com o pessoal do mercado que achava que Haddad era um radical. Hoje não parece haver ninguém que ache isso, mas Haddad não mudou, o mercado é que se rendeu às evidências.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad durante evento com prefeitos, em Brasília - Gabriela Biló - 13.mar.2023/Folhapress

Aliás, bom lembrar: boa parte da turma que hoje tem medo de que "Lula não deixe Haddad trabalhar" teve a chance de eleger Haddad presidente em 2018. Ao invés disso, preferiram votar em um muambeiro genocida e golpista que quebrou o país e fugiu pra Disney.

Isso não quer dizer, entretanto, que a esquerda e o mercado nunca possam estar de acordo um com o outro, ou que a esquerda não cometa erros que reforçam a percepção ruim do mercado sobre ela.

O mercado tem gente muito inteligente que ganha muito dinheiro se acertar diagnósticos sobre alguns assuntos, como as variações do PIB ou a situação fiscal. Vale a pena ouvi-los sobre essas pautas. Por outro lado, há todo um universo de problemas relevantes que demoram para virar queda do PIB ou aumento de gasto, ou nunca viram. Sobre isso, é melhor não ouvir o mercado.

Por exemplo, boa parte do aumento de gastos de Lula até agora foi para resolver crises deixadas por Bolsonaro na área social. Esses gastos foram contratados quando Guedes deixou os trabalhadores brasileiros sem aumento real de salário mínimo por quatro anos, ou quando Damares se recusou a enviar água para as crianças yanomami. Mas só apareceram na conta do mercado quando viraram gasto, já sob outro governo.

Por outro lado, se o mercado só enxerga o problema quando ele vira gasto, a esquerda às vezes só enxerga a crise quando ela vira corte de gastos. Como o mercado nos casos acima, ela também tende a colocar a culpa no cara que tenta resolver o problema.

Nos subsídios dados pelo primeiro governo Dilma já está contada, inteira, a história do ajuste de Joaquim Levy. Por que o empresariado teria investido os recursos dados por Dilma se era claro que eles causariam uma crise fiscal, obrigando o governo a fazer um forte ajuste? O cara que montou uma fábrica em 2012 com seu incentivo fiscal encontrou quantos consumidores em 2015?

Uma boa maneira de conciliar esses horizontes é uma regra fiscal bem bolada, que, como já disse o ex-ministro Nelson Barbosa, tem que agradar "as ruas e a Faria Lima".

Ao que parece, a nova regra fiscal deve ser assim. A proposta ainda não vazou, mas o que se depreende das entrevistas até agora é que ela deve ser muito melhor que o teto de gastos aprovado em 2017.

Torço para que a regra seja boa, para que as reações das ruas e da Faria Lima sejam razoáveis, e para que os 2% de gestores do primeiro parágrafo passem o resto da vida rindo da cara dos colegas de firma.

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