Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

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Celso Rocha de Barros
Descrição de chapéu América Latina

PT faria bem em adotar uma postura abertamente crítica à ditadura de Ortega

Presidente da Nicarágua não é mais socialista, não é mais democrático, e do sandinismo só parece ter herdado os defeitos

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A revolução nicaraguense de 1979 foi a revolução da geração em que o PT foi fundado.

Em sua entrevista para meu livro sobre o PT, José Dirceu contou que, nos anos 1980, Lula dizia que Genoino, então ainda um marxista radical, deveria conhecer "a Nicarágua e a Suécia". Hoje, pode parecer um par estranho, mas, na época, não era: de maneiras diferentes, a social-democracia mais combativa e os sandinistas representavam a esperança de que socialismo e democracia pudessem conviver. Em 1988, o físico Luiz Pinguelli Rosa escrevia na revista petista Teoria e Debate que a Nicarágua representava um experimento com "pluralismo, economia mista e não-alinhamento". Nos anos 1980, o PT mandou médicos para a Nicarágua para ajudar no esforço de reconstrução do país. Jovens petistas se voluntariavam para ajudar em esforços de alfabetização na Nicarágua.

A democracia sandinista nunca foi perfeita, como se pode ver no livro "The Many Faces of Sandinista Democracy", de Katherine Hoyt. Mas muitas das imperfeições do modelo sandinista podiam ser atribuídos, com alguma razão, à guerra civil patrocinada pelos Estados Unidos.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebe no o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, no Palacio do Itamaraty, em 2010
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebe no o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, no Palacio do Itamaraty, em 2010 - Alan Marques - 28.jul.10/Folhapress

Os sandinistas também tinham várias semelhanças de família com o PT, como a forte presença de católicos progressistas em seu meio. Na Nicarágua, houve padres-guerrilheiros que, eventualmente, se tornaram padres-ministros, criando um conflito sério com o Vaticano. Enquanto isso, o petista Frei Betto tentava, com sucesso muito limitado, aproximar católicos e comunistas em Cuba.

A maior prova de que havia mais democracia na Nicarágua sandinista do que na grande maioria dos governos pós-revolucionários é que, em 1990, os sandinistas perderam as eleições e foram para casa. Reorganizaram-se como partido democrático e passaram por rachas importantes. Grandes líderes sandinistas, como o escritor e ex-vice-presidente Sergio Ramírez (autor do ótimo "Adiós, Muchachos") romperam com a liderança de Daniel Ortega, que governou a Nicarágua entre a vitória da revolução e a derrota de 1990.

Desde 2018, Ortega, parece ter se arrependido de ir para casa em 1990. Iniciou uma escalada autoritária que já tem centenas de vítimas, entre as quais uma estudante brasileira. Vários de seus companheiros de guerrilha, como o próprio Ramírez, estão entre os perseguidos. Em uma jogada particularmente covarde, oposicionistas foram privados da cidadania nicaraguense.

Como outros países, o Brasil ofereceu cidadania aos perseguidos na semana passada. Entretanto, o governo Lula se recusou a assinar uma declaração contra Ortega na ONU.

O PT parece ainda tentar manter no mesmo barco o que o estudioso Jorge Lanzaro chamou de "social-democracia criolla" (PS chileno, Frente Amplío uruguaio, o próprio PT), e as várias versões do "bolivarianismo", inclusive as autoritárias. Isso pode se tornar cada vez mais difícil. Os fracassos autoritários cobram um preço eleitoral dos partidos democráticos que os apoiam.

O PT faria bem em adotar uma postura abertamente crítica da ditadura de Ortega, como fizeram na semana passada o PSB e dirigentes petistas como Tarso Genro e Alberto Cantalice, além de novas lideranças progressistas do continente, como o chileno Boric e o colombiano Petro.

Ortega não é mais socialista, não é mais democrático, e do sandinismo só parece ter herdado os defeitos.

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