Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

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Descrição de chapéu The New York Times Twitter

O que 7 meses de dieta restritiva do Twitter me ensinaram

Empresas de mídia social converteram todos nós numa força de trabalho que não é paga e produz conteúdos gratuitos

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The New York Times

Sete meses atrás, quando foi noticiada a possibilidade de Elon Musk adquirir o Twitter, tomei a decisão de me afastar da plataforma e usá-la apenas para alertar pessoas de coisas como a publicação de minha coluna ou minhas participações na televisão.

Parei de checar o Twitter diariamente. Parei de postar pensamentos ali. Parei de reagir a outras contas. De uma parte integral de minha vida, ele passou a ser uma ferramenta que eu mal usava.

Sede corporativa do Twitter no centro de San Francisco, na Califórnia, nos Estados Unidos - Carlos Barria - 21.nov.22/Reuters

Agora que ela está trôpega, parece que vale a pena revelar a meus leitores como tem sido a experiência de me afastar da plataforma. Reduzir minha frequência transformou minha vida –para melhor.

O engajamento com o Twitter e, provavelmente, o engajamento em grande escala em outras redes sociais alteram o comportamento das pessoas, possivelmente até o cérebro.

Levei semanas para deixar de sentir medo de estar ficando "de fora do debate", de pensar que eu me afastara irracionalmente da "praça pública". Na realidade, esses eram sintomas clássicos de abstinência. Eu estava viciado. Mas, como tantas pessoas em volta compartilhavam o mesmo vício, parecia ser algo completamente normal.

Num primeiro momento, sempre que eu fazia alguma reflexão sobre notícias que lia ou assistia, achei difícil não compartilhar meus pensamentos. Mas, com o passar das semanas, foi ficando cada vez mais claro para mim que não compartilhar era algo sensato.

Refletir sobre ideias, como pensadores têm feito ao longo de toda a história humana, tem seus méritos. A ideia cresce, é aparada, moldada e afiada. Beneficia-se quando a trabalhamos e aprimoramos, por uma questão de consideração e cuidado.

Outra coisa é que a maior parte dos problemas que já criei para mim mesmo no campo profissional foi decorrente de, no calor do momento, ter postado no Twitter alguma coisa sobre a qual me expressei mal. Logo, afastar-me do Twitter foi uma das coisas mais inteligentes e saudáveis que fiz.

Acho que um dia vamos olhar para trás, para este momento na história humana, com espanto. As empresas de mídia social converteram todos nós numa força de trabalho que não é paga, que produz conteúdos gratuitos de bom grado, tudo devido à ânsia de sermos vistos, ouvidos e apreciados.

Divulgamos nossos pensamentos assim que nos chegaram à cabeça, e desconhecidos votam nesses pensamentos com suas curtidas. Passamos a sentir desejo insaciável de curtidas. Começamos a correr atrás delas, a avaliar o valor de nossos pensamentos com base nelas. A insegurança foi monetizada. O narcisismo virou uma commodity.

A mesma coisa se aplica a fotos e vídeos. Passamos a enxergar como normal documentar e compartilhar todos os aspectos de nossas vidas, da comida que comemos até a roupa que vestimos, passando por conselhos que damos a outros e a última dança da moda que conseguimos aprender. Conteúdo, conteúdo, conteúdo.

Se você não estivesse criando conteúdo, será que estava vivendo de fato? Se não tivesse se tornado fotógrafo, cinegrafista, orador e comediante, o que estava fazendo com a vida? Você era uma pessoa estranha, uma perdedora ou, simplesmente, velha?

E, assim, as redes sociais viraram uma coleção de vídeos curtos de momentos chamativos, uma oportunidade de correr atrás de uma versão idealizada da vida que era apenas um fragmento da realidade, na melhor das hipóteses, ou uma falsa realidade, na pior.

Precisei transformar minha relação com as redes sociais para torná-las menos tóxicas. Eu tinha uma vida real para viver no mundo real. O ato de fazer tinha de tornar-se mais importante que o de documentar.

As regras simples que tracei para mim mesmo em abril foram as seguintes: primeiro, exceto para avisar pessoas sobre minhas colunas e participações, eu limitaria meu uso de redes sociais a um único aplicativo. Esse foi, para mim, o Instagram, em parte por ser o aplicativo em que eu tinha menos seguidores. Também gostei de poder limitar as interações abusivas e raivosas.

Em segundo lugar, eu compartilharia coisas reais que eu tivesse feito no mundo real. Eu ainda postava uma piada, um comentário ou alguma coisa divertida, aqui e ali. De tempos em tempos, até coisas frívolas. Mas, tudo bem, porque meu volume total de postagens diminuíra tremendamente.

De vez em quando, eu olhava alguma postagem sem sentido, como se estivesse trapaceando na minha dieta. Mas a meta de postar sobre coisas feitas na minha vida, em oposição a coisas feitas para sair nas redes, tem me ajudado a curar minha relação com as redes sociais.

Acho que os aplicativos são ótimos para artistas. Proporcionaram um palco a muitas pessoas que de outra maneira não o teriam. Gosto de assistir às suas apresentações. Mando clipes divertidos a meus amigos todos os dias. Mas precisamos derrubar a expectativa de que deveríamos todos ser artistas. Não somos nem deveríamos ser —e não há nada de errado nisso.

Gosto de onde estou agora no uso que faço das redes sociais. Gosto do fato de não sentir mais a necessidade de postar todos os dias. Gosto do fato de que agora só posto o que me agrada. Gosto do fato de me deparar com menos agressividade, menos ódio.

Não sei se o Twitter vai sobreviver à era de Elon Musk, e a turbulência na empresa não me preocupa.

O que eu queria compartilhar com você é que você precisa do Twitter –ou de qualquer plataforma social—muito menos do que pensa. Na realidade, sua vida pareceria muito mais plena se também você tomasse distância do Twitter.

Tradução de Clara Allain

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