Cida Bento

Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP

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Convenção da extrema direita espanhola é alerta para o Brasil

É preciso estar atento a partidos que buscam não enfrentar desigualdade racial

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"Manter o ideal racial de um continente branco de famílias cristãs e heterossexuais" foi marca de destaque da convenção do Vox - Viva 24, realizada recentemente em Madri e que buscou definir caminhos da extrema direita para as eleições europeias.

A ambição desses segmentos populacionais de concentrar e ampliar o poder, a possibilidade de serem explicitamente racistas, defendendo "fronteiras fortes" contra a imigração, são algumas propostas desse encontro mencionadas no editorial do jornal El País de 21 de maio, intitulado "A Aliança Pragmática do Ódio".

Santiago Abascal, líder do Vox, partido de extrema direita da Espanha, discursa em convenção em Madrid - Oscar del Pozo - 19.mai.2024/AFP

O texto salienta ainda que, por trás da defesa da identidade nacional, que também marcou a convenção do Vox, muitos interesses se colocam, sempre na direção de forjar um inimigo comum contra o qual todos os patriotas devem se unir.

E, como sempre acontece nesse caminho, os partidos da ultradireita exploram em seus argumentos os medos da população provocados pelos desafios que as sociedades têm de enfrentar na atualidade.

Aqui no Brasil não é diferente, e pode-se exemplificar com o fato de que nesta quarta (22) se discutia o recurso apresentado por senadores de oposição, majoritariamente bolsonaristas, para que a nova lei de cotas no serviço público passasse por nova votação, mesmo depois de acordo já fechado para uma proposta de texto —ao fim, o texto foi ao plenário, acabou aprovado e agora vai para a Câmara.

O que efetivamente incomoda alguns segmentos de nossa sociedade é a possibilidade concreta de que sejam asseguradas oportunidades para pessoas negras, indígenas e quilombolas ingressarem no serviço público e dessa forma contribuírem para que o país tenha uma administração mais equânime e representativa de sua população, que é rica em diversidade humana.

As cotas têm se revelado um caminho importante para auxiliar o Brasil a mudar uma realidade que o coloca entre os campeões de desigualdade e de concentração de rendas do mundo.

O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) mostra que, em apenas uma década, aumentou em 167% a entrada na educação superior federal por meio de ações afirmativas, passo importante para pavimentar o caminho rumo a uma sociedade mais democrática, um Brasil efetivamente para os diferentes segmentos que o compõem.

Se cotas para pessoas pobres incomodam alguns segmentos da nossa população, cotas raciais os irritam muito mais. E todo o esforço que fazem é para retirar a dimensão racial dessa política.

A supremacia branca nas organizações públicas da nossa sociedade é defendida e usufruída como se não tivesse nada a ver com a história do Brasil, que viveu 4/5 de seus anos sob a égide da escravidão, e isso impacta os lugares ocupados atualmente pelos descendentes desse processo, tanto os de escravocratas quanto os de escravizados.

As heranças dessa longa e triste história se revelam facilmente na atualidade por meio das estatísticas sobre condições de educação, trabalho, saúde e moradia desses grupos.

As ações afirmativas, os processos de reparação, as políticas públicas e privadas de equidade precisam ser implementadas para que possamos efetivamente virar essa página da história.

Se o país é majoritariamente negro, com fortes presenças indígena e quilombola, temos que estar atentos aos movimentos dos partidos que buscam não enfrentar a violência crescente contra esses grupos e as desigualdades atestadas pelos principais órgãos de pesquisas.

A convenção do Vox - Viva 24 é um alerta importante para os diferentes movimentos sociais de nosso país.

Também o Brasil vai passar por eleições em 2024, e precisamos identificar quais partidos vêm desenvolvendo ações, propostas e projetos de lei que possam efetivamente auxiliar o país a se tornar uma sociedade democrática. E trabalhar duramente para que os resultados das urnas reflitam esse país que queremos e podemos ter.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Flávio Carrança, da Cojira

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