Claudia Costin

Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

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A geração da Covid e a presença da morte.

Como as crianças contarão a seus netos o que foi viver estes tempos?

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Escrevo a coluna no dia seguinte ao da morte, por complicações da Covid, do Paulo Gustavo, humorista e diretor brasileiro que, por sua atuação e características pessoais, fez com que boa parte de nós, mesmo os que não o conheciam pessoalmente, tenhamos sentido como se um parente próximo tivesse partido. No mesmo dia, três crianças e duas educadoras foram assassinadas num ataque a uma creche em Santa Catarina, o que também causou grande comoção.

São duas situações bem diferentes, em sua cadeia causal, mas ambas escancaram a onipresença da morte em nosso cotidiano pandêmico.

Estamos convivendo, todos os dias, com o anúncio do número de vítimas fatais da Covid, telefonemas e postagens em redes sociais que nos trazem tristes notícias sobre familiares, amigos ou pessoas conhecidas afetadas pela pandemia. E nossos rituais fúnebres foram profundamente transformados, impedindo a saudável vivência do luto e das homenagens que gostaríamos fazer aos que partiram, mesmo que não pela doença.

Tínhamos anteriormente contato constante com a morte, mas não, no período histórico mais recente, nessas proporções e nem causada predominantemente por uma pandemia e pela gestão inadequada da crise. Neste contexto, buscamos os maiores culpados por nossas dores, que não se limitam à brutal perda de entes queridos, mas se completam com a perda de empregos, de fonte de renda e de possibilidade de lazer. E isso politiza, no pior sentido do termo, a pandemia e dificulta ainda mais a construção de unidade e coesão social para enfrentá-la com a competência em gestão de crises que alguns países mostraram.

Mas, independente do agravamento da situação, a presença constante da morte no dia a dia das famílias confinadas acaba acentuando em nós também a percepção da nossa temporalidade, associada ao fato de que, junto com nossos contemporâneos, estamos vivendo um momento difícil, que entrará para os livros de história. Como contarão as crianças, chamadas por um relatório do Instituto McKinsey de geração da Covid, para seus netos o que foi viver estes tempos?

No entanto, o que fica disso tudo é que nossa relação com a morte vem sendo naturalizada, em parte por posturas pouco empáticas de governantes capazes de minimizar o sofrimento das famílias e, em outra, pela dissociação entre números e rostos, num processo inconsciente de desumanização.

O futuro nos dirá se o que vivemos trará o refinamento da nossa condição essencialmente boa, como preconiza Rutger Bregman em seu instigante "Humanidade", ou se, ao termos reificado a morte, traremos os piores anjos da nossa natureza para povoar a Terra.

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