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Defesa pede exame de sanidade mental para autor de atentado a creche em Saudades (SC)

Justiça só deve autorizar teste após alta hospitalar do suspeito; advogado diz que caso é similar a outros em escolas

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Saudades (SC)

A defesa de Fabiano Kipper Mai, 18, que matou duas professoras e três crianças e tentou cortar o próprio pescoço em ataque a uma creche em Saudades (SC), pediu à Justiça um exame para avaliar sua sanidade mental.

Se for constatado que o homem estava consciente no momento do crime, ele será julgado pelo Tribunal do Júri. Mas caso o exame aponte que ele não pode responder por seus atos, em vez de uma condenação penal pode ser aplicada uma medida de segurança, com internação para tratamento.

O juiz Caio Lembruber Taborda, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, decidiu não deferir o pedido ainda porque Kipper Mai segue internado em estado grave, na UTI, sem previsão de alta. Por isso, não prestou depoimento à polícia até agora.

Segundo o advogado Kleber dos Passos Jardim, nomeado pela Justiça catarinense para o caso, Kipper Mai era antissocial. "Um menino fechado, conversava pouco, não tinha amigos, e se trancava no quarto com os jogos de tiros e violência", afirmou à Folha sobre o que ouviu dos parentes do homem.

O advogado é de Indaial, cidade próxima a Blumenau, do lado norte do estado de Santa Catarina. Outros haviam sido indicados pela Justiça para assumir o caso, mas, por serem da região de Saudades, se negaram a defender Kipper Mai.

O perfil que descreve o defensor corrobora o que foi dito em depoimentos para o delegado responsável pelo inquérito, Jerônimo Ferreira, de que ele gostava de jogos online, teria problemas em casa e não desejava mais estudar. O motivo alegado seria bullying.

"Ele era muito introspectivo. Dormia na mesma cama que o pai, porque tinha medo de dormir sozinho, e judiava dos bichinhos da casa", disse o delegado sobre o que ouviu. "Espero conseguir interrogá-lo. Quero ver o que ele vai contar."

Natural de Saudades, Kipper Mai tem ficha criminal limpa, sem antecedentes ou registro de ato infracional.

Ele completou maioridade no último dia 3, cursava o último ano do ensino médio em um colégio estadual e trabalhava como jovem aprendiz no Grupo Dass, uma empresa de produção têxtil que confecciona roupas e calçados para marcas famosas.

Em nota, a empresa disse lamentar a tragédia e informou que Kipper Mai vinha trabalhando de forma regular. "Ele nunca apresentou qualquer precedente e exercia suas atividades de forma absolutamente normal, sem qualquer indicação de anormalidade de caráter."

Seu horário de trabalho era de 5h às 15h. Foi no intervalo, às 9h, que ele foi até a escola executar o ataque. Um dia antes, conversou sobre tirar a carteira de motorista com um colega de trabalho e parecia estar bem.

"A gente não sabe a proporção do bullying, o que incomodava ele. Mas o comportamento é típico desses massacres em escolas que infelizmente aconteceram aqui no Brasil e internacionalmente. Está encaminhando para essa linha, ele tem características de ser esse tipo de pessoa", afirmou o advogado, comparando o caso com os massacres em Suzano e em Realengo, no Rio de Janeiro.

Já os pais do jovem são descritos pelo defensor como "pessoas muito simples, analfabetos". Eles estão tratando o episódio como uma perda do filho.

"O pai e a mãe estão sem condições, tanto pelas vítimas quanto pelo Fabiano. É como se eles tivessem perdido o filho, seja pela questão prisional, de ficar anos preso, seja pela questão clínica, de que ele pode morrer. Estão tentando aceitar essa situação", disse o advogado.

Um vizinho, o seu Alcedo, disse que conhecia Kipper Mai desde a infância e que era uma criança comum. "É uma família muito querida na cidade, humilde, trabalhadora. O menino brincava com as crianças aqui na rua, nunca se viu nada de diferente. Ele ajudava a mãe, estendia roupa, limpava a garagem. Ele se criou dentro de casa. A gente não tem palavras para dizer o que levou esse menino a fazer essas coisas. É doído."

No dia da tragédia, ele afirma que o pai de Kipper Mai queria se suicidar. "Fiquei aqui a tarde inteira aconselhando porque ele ia fazer besteira. Dizia ‘minha vida já acabou’, se meu filho tivesse me matado e não essas crianças, não seria tão difícil."

O vereador Alfeu Schuh, que é tio-avô de uma das vítimas, é outro amigo da família do agressor. "Nunca escutei nada dele, de briga, nada. Se ele chegasse aqui, de roupa comum e bicicleta, eu ia chamar pra entrar. Qualquer um chamaria", disse.

Na mesma decisão, o magistrado Taborda determinou a quebra de sigilo de dados do suspeito, solicitada pelo promotor de justiça Douglas Dellazari. Os investigadores estão analisando o notebook e o pendrive apreendidos na casa onde ele mora com os pais, uma irmã e a avó.

A Folha foi até o local onde vive a família, que deixou a residência por temer represálias. É uma casa mais afastada do centro, simples e sem muros —como grande parte da cidadezinha. A bicicleta usada para ir até a creche no dia do ataque está num canto da garagem.

Junto com os depoimentos colhidos pela polícia, é o material digital a principal chave para definir o perfil do jovem e entender a motivação para o ataque. Não foi achado qualquer diário ou carta que sinalizasse a possibilidade do ataque.

Além do notebook, a polícia apreendeu R$ 11 mil em dinheiro, um video game e um jogo da franquia GTA.

O facão que Kipper Mai usou é inspirado em uma espada ninja. A arma branca, de fabricação nacional, tinha lâmina de aço inoxidável, cerca de 60 cm e foi comprada pela internet. Bombeiros que resgataram Kipper Mai contaram que ele perguntava quantas vítimas tinha matado. Uma criança chegou a receber sete facadas.

Taborda acatou, no mesmo despacho, um pedido do Ministério Público e converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva.

Kipper Mai foi autuado por cinco homicídios triplamente qualificados e uma tentativa de homicídio triplamente qualificado, segundo a polícia. O agressor agiu por motivo torpe com uso de meio cruel e utilizou recurso que impossibilitou a defesa das vítimas —contra crianças com menos de 2 anos de idade e professoras indefesas, que estavam em seu horário de trabalho.

A tentativa de homicídio foi a do bebê que ficou ferido durante o ataque e segue internado em Chapecó. Nesta quarta (5), ele recebeu alta da UTI e seu quadro clínico é considerado estável.

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