Claudia Costin

Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

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Claudia Costin

Sentir-se estrangeiro em sua própria casa

Exilados tentam se assimilar às novas pátrias, numa mistura de gratidão e estranhamento

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No seu livro mais recente, "Como Polvo en el Viento", Leonardo Padura conta a história de um grupo de amigos que enfrentaram, em Cuba, a crise vivida pelo país com o fim da União Soviética e de suas generosas ajudas. Alguns mistérios rondam o grupo, autodenominado "clã", o que faz com que a leitura da obra, além de cativante, tenda a ser quase ininterrupta.

Por conta disso —e de dissabores que incluem a morte de um deles—, vários vão viver no exílio. Lá nasce ou torna-se adulta a próxima geração, que tenta entender o que se passou com os mais velhos e não consegue se assimilar completamente na nova pátria, embora nutra por ela sentimentos em que gratidão e estranhamento se confundem.

Ao ler essa obra de Padura, lembrei-me de outra mais antiga, não ficcional, do argentino feito americano e chileno Ariel Dorfman, "Uma Vida em Trânsito", em que relata sua saga pessoal de nomadismo assim como a de seus avós, judeus europeus. Ariel amava muito o Chile, mas teve que sair novamente de lá quando, então assessor cultural de Allende, logrou escapar e viver uma nova temporada americana antes de poder retornar ao Chile.

Lembrei-me também de sentimentos meus e dos de alguns dos que me cercam em que a ideia de ajudar a pátria que abrigou nossos pais num momento difícil trazem um sentido de propósito de vida, mas se combinam com momentos de estranhamento e a certeza de uma herança cultural ambígua.

Na verdade, isso deveria trazer riqueza de perspectivas, mas, infelizmente, as coisas não se passam assim. Queremos, como a personagem Adela do romance de Padura, entender as dores dos que nos precederam e enxergamos fantasmas e mistérios em vidas que foram condenadas a um "trânsito" involuntário.

E isso funciona como um "carma" que, por um lado, nos dá identidade, mas, por outro, limita a possibilidade de se entender plenamente conectado aos dissabores dos demais. Não me entendam mal, a empatia continua possível e talvez até se potencialize, mas há uma carga de dor herdada que não se esvai.

É como se fôramos, simultaneamente, mais brasileiros que os que aqui estão, há gerações, enraizados, e ainda estrangeiros em casa, na pátria que acolheu nossos pais e avós quando eles não puderam mais viver na terra em que nasceram. Nesse sentido, a frase bíblica do Êxodo, "não deverão oprimir um estrangeiro... lembrem-se de que também foram estrangeiros na terra do Egito", surge como um alerta universal.

Afinal recebemos, no Brasil, a cada dia, centenas de venezuelanos que buscam aqui construir uma nova vida, livrar-se de dores e tentar ser felizes, mesmo tendo que enfrentar seus medos interiores.

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