Numa música que sempre me faz lembrar minha mãe, "Les Enfants de la Guerre", Charles Aznavour, um cantor e compositor de origem armênia, afirmava que as crianças da guerra acabavam tendo que usar cemitérios como jardins de infância e que envelheceriam antes do tempo por terem visto o ódio interromper suas canções.
Como muitos que vêm acompanhando a invasão da Ucrânia, penso muito nas crianças que vivem a triste situação de bombardeios, deslocamentos forçados e de sofrimento dos seus pais. Relatos familiares me voltam à memória, em pequenos detalhes, não só nas grandes tragédias, como a insuficiência de víveres que levou a que o aniversário da menina húngara pré-adolescente fosse celebrado com bolo de feijão e não de nozes como ela gostava, ou da permanência dela e da minha avó no apartamento enquanto Budapeste era bombardeada, pois minha mãe estava com escarlatina e não podia ir para o abrigo.
Ouvindo nesta semana, por zoom, o relato de um rabino ucraniano de uma cidade na fronteira com a Romênia sobre como foi a negociação bem-sucedida para liberar a passagem das crianças de um orfanato que não dispunham de passaporte, veio também à mente os milhões de refugiados de várias nacionalidades que hoje percorrem o mundo, num nomadismo involuntário. Carregam crianças ao fugir da Síria, de países africanos ou asiáticos em guerra civil, conflitos étnicos ou fome.
Aqui mesmo no Brasil, tivemos a triste crise dos venezuelanos que aqui vieram para reconstruir suas vidas e, infelizmente, especialmente em Roraima, enfrentaram preconceito e falta de empatia de alguns de nossos compatriotas. Hoje cerca de 25% das crianças nas escolas e creches de Boa Vista são de origem venezuelana. Não viveram uma guerra, mas o nomadismo é o mesmo.
No entanto, frente à chamada, num claro eufemismo falacioso, "operação militar de pacificação e desnazificação da Ucrânia" —em que o presidente eleito por 75% dos eleitores é judeu e, em que o memorial de Babi Yar foi atingido por bombas ditas de precisão—, como conversar com nossas crianças sobre o que está ocorrendo?
Aqui, dependendo da idade da criança, cabe a mesma estratégia que sugeri para a Covid: usar o vivido como uma oportunidade de aprendizagem. Falar sobre a guerra e, mais importante ainda, sobre formas de evitá-la, serve para mostrar que há uma ligação entre cotidiano e história, que há outros países com questões distintas das nossas, que se constroem ao longo dos anos, mas que também nos dizem respeito.
Mas o mais importante neste contexto é educar para algo que define nossa condição humana compartilhada: a empatia.
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