Cláudia Collucci

Jornalista especializada em saúde, autora de “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?”.

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Cláudia Collucci

Pandemia de Covid-19 faz reviver antigos lutos e antecipar novos

Autor americano diz que a percepção de que as coisas serão diferentes daqui para frente causa tristeza

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A pandemia de coronavírus tem reacendido meus lutos, especialmente o mais doloroso deles, que foi a perda da minha mãe há quase quatro anos.

Tenho sonhado frequentemente com ela. Às vezes, são pesadelos dilacerantes que me fazem acordar com ataque de pânico, como a reprise das horas finais de dor que antecederam e sucederam a sua morte. Ali eu morri um pouco.

Outras vezes são sonhos bons, cheios de saudade de um cotidiano que não existe mais. Ela cantarolando pela casa, cozinhando, se vestindo, passando batom ou recolhendo roupas no varal sob os pingos de chuva.

Já escrevi aqui sobre como lutos coletivos motivados por grandes tragédias nos fazem reviver os nossos próprios. E para compreender um pouco mais sobre o que se passa dentro de mim, recorri mais uma vez a um dos meus gurus do luto, o bioeticista americano David Kessler, um dos maiores especialistas no tema no mundo, autor de vários livros e fundador de um site sobre luto, que tem mais de 5 milhões de visitas por ano em 167 países.

Embora costumemos relacionar o luto à morte, Kessler nos ensina que ele pode ser aplicado a qualquer sentimento desencadeado por uma situação de perda, como a vida que ficou para trás nesta pandemia.

Em recente entrevista à Harvard Business Review, publicação de negócios da Universidade de Harvard, o pesquisador fala sobre a importância em reconhecer a dor que você está sentindo neste momento até para encontrar significado nela.

Segundo Kessler, “estamos passando por uma série de lutos diferentes. Sentimos que o mundo mudou, e ele realmente mudou. Sabemos que a situação é temporária, mas também não é bem assim, e percebemos que as coisas serão diferentes daqui pra frente.”

Ele segue: “[A] perda da normalidade. O medo do prejuízo econômico. A perda das nossas conexões com os outros. Isso está nos atingindo e estamos sofrendo coletivamente. Não estamos acostumados a esse tipo de sofrimento coletivo no ar”.

Kessler diz que estamos sentindo um luto antecipado, que é o sentimento que temos sobre o que o futuro nos reserva quando estamos incertos. Ansiedade pura. Sentimos isso quando alguém próximo recebe um diagnóstico grave ou quando pensamos que vamos perder um parente.

Ele transporta para o cenário da pandemia os estágios do luto: primeiro a negação que praticamos muito no começo: "Esse vírus não nos afetará!". Depois, a raiva: "Você está me fazendo ficar em casa e tirando minhas atividades!". Há também o estágio de barganha: "OK, se eu me distanciar por duas semanas tudo ficará melhor, certo?'". E ainda o da tristeza: "não sei quando isso vai acabar". E, finalmente, a aceitação: "Está acontecendo, eu tenho que descobrir como proceder".

Segundo Kessler, é na aceitação que devemos nos focar. “É onde está o poder. Encontramos controle na aceitação. ‘Eu posso lavar minhas mãos. Eu posso manter uma distância segura. Eu posso aprender a trabalhar virtualmente.’”

Sobre as técnicas para se chegar a tal estado, ele recomenda voltar ao luto antecipatório. "Nossa mente começa a nos mostrar imagens. Por exemplo: meus pais estão ficando doentes, daí vemos os piores cenários. Essa é a nossa mente sendo protetora.”

O objetivo, diz ele, não é ignorar essas imagens ou tentar fazê-las desaparecer, já que sua mente teimosa não vai deixar mesmo. A meta é encontrar equilíbrio nas coisas que você está pensando.

"Se você sentir a pior imagem tomando forma na sua mente, pense na melhor imagem. Todos ficamos um pouco doentes e o mundo continua. Nem todo mundo que eu amo morre".

Ele sugere outra técnica. Quem pratica mindfulness (atenção plena) ou outros tipos de meditação vai reconhecer a dica. “O luto antecipatório é a mente que vai para o futuro e imagina o pior. Para se acalmar, você quer entrar no presente. Você pode se fixar em coisas na sua sala. E respirar. Perceber que, no momento presente, nada do que você antecipou aconteceu."

"Neste momento, você está bem. Você tem comida. Você não está doente. Use seus sentidos e pense no que eles dizem. A mesa está dura. O cobertor é macio. Eu posso sentir a respiração entrando no meu nariz. Isso realmente funcionará para atenuar um pouco dessa dor.”

Segundo ele, esse também é um bom momento para praticar compaixão. "Todos terão diferentes níveis de medo e tristeza, e isso se manifesta de maneiras diferentes. Um colega de trabalho ficou muito irritado comigo outro dia e pensei: 'Isso não é como essa pessoa é; essa só é a forma de ele lidar com isso. Estou vendo o medo e a ansiedade dele'. Então seja paciente. Pense em quem essa pessoa realmente é e não quem parece ser neste momento.”

Kessler diz: “Há algo poderoso em nomear isso como luto. Isso nos ajuda a sentir o que está dentro de nós. Quando se nomeia suas emoções, se sente, e elas se 'movimentam’ dentro de você. As emoções precisam de movimento.”

É isso. Que possamos dar espaço para que esses sentimentos aconteçam, acolhendo-os e compreendendo-os. É o que de melhor podemos fazer por nós mesmos neste momento.

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