Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Erdogan volta a tentar o sultanato na Turquia

A questão curda estará inevitavelmente no centro das novas eleições turcas, convocada para 1° de novembro, apenas cinco meses depois da anterior, em junho.

Explico, por partes:

1 - O objetivo do presidente Recep Tayyp Erdogan era, em junho, obter uma maioria suficiente que lhe permitisse mexer na Constituição de forma a dar à Presidência os poderes que hoje, formalmente, pertencem ao primeiro-ministro, como é da praxe do parlamentarismo.

O objetivo continua de pé, conforme o próprio Erdogan acaba de dizer: "É preciso dar um quadro legal à esta situação [aos poderes do presidente] por meio de uma nova Constituição", afirmou no dia 14 passado em seu feudo de Rize, no mar Negro.

2 - Quem impediu, em junho, a maioria para o partido de Erdogan (AK, Partido da Justiça e do Desenvolvimento, islamista moderado) foi um partido majoritariamente curdo, o HDP (Partido Democrático do Povo).

Com 13% dos votos, superou a barreira dos 10% imposta por lei para permitir acesso ao Parlamento e impediu a maioria absoluta para o AKP, que ficou com 41% dos votos.

3 - Erdogan viu-se obrigado a negociar com os demais partidos uma coligação, o que fez com notória má vontade. Tanta que a negociação fracassou, daí a convocação de nova eleição.

4 - Quando o fracasso das negociações já estava praticamente dado, Erdogan decidiu atacar o outro partido curdo (o PKK, Partido dos Trabalhadores Curdos, ilegal por ser considerado terrorista, com sua luta pela independência do Curdistão).

O ataque foi seguido de ameaças veladas de ilegalização também do moderado HDP.

5 - Chega-se, então, ao novo pleito. O cálculo do presidente parece ser o de que, insinuando que todos os partidos curdos são terroristas, os votos no HDP diminuirão, ele não atingirá os 10% que são a cláusula de barreira, e o AKP obterá a maioria necessária para mudar a Constituição e entronizar Erdogan como uma espécie de sultão moderno.

A eleição dirá se o cálculo é correto ou não. O eleitorado não curdo poderá, de fato, assustar-se e voltar-se para Erdogan. Mas, por outro lado, os laicos esquerdistas que apoiam o HDP podem assustar-se é com Erdogan e tentar puxar votos moderados para o partido curdo e/ou os demais partidos oposicionistas e frustrar de novo o ensaio de sultanato.

É o que estará em jogo dia 1° de novembro.

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