Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Privacidade de Zuckerberg vale mais do que a de seus incautos usuários

O mundo inteiro, não apenas a América, está deixando de lado o direito à intimidade

Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook, durante depoimento a comissão na Câmara dos EUA, em Washington
Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook, durante depoimento a comissão na Câmara dos EUA, em Washington - Chip Somodevilla/Getty Images/AFP
 

​O momento mais eloquente do depoimento de Mark Zuckerberg ao Congresso americano (terça-feira, 10) foi o seguinte diálogo entre ele e o senador democrata Dick Durbin.

Durbin: “Mr. Zuckerberg, o senhor se sentiria confortável em dividir conosco o nome do hotel em que se hospedou na noite passada?"

Zuckerberg (depois de uma pausa): “Hum..., não".

Seguiram-se risadas dos presentes até a nova pergunta de Durbin:

“Se o senhor enviou mensagens a alguém esta semana, o senhor compartilharia conosco os nomes das pessoas com as quais trocou mensagens?".

Zuckerberg: “Senador, não, eu provavelmente escolheria não tornar isso público aqui".

Moral da história, segundo Durbin: “Acho que é exatamente disso que se trata, de seu direito à privacidade, dos limites de seu direito à privacidade e quanto ele é deixado de lado na América moderna em nome de ‘conectar pessoas ao redor do mundo' [um dos slogans essenciais do Facebook de Zuckerberg]".

Se o senador tivesse dito que o mundo inteiro e não apenas a América está deixando de lado o direito à privacidade, estaria sendo ainda mais correto.

O depoimento de Zuckerberg acaba sendo a aplicação prática do pré-histórico ditado que diz “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço".

Ou, posto de outra forma: as redes sociais sabem muito bem quais hotéis são usuários estão escolhendo, mas o criador da mais emblemática delas (o Facebook) não compartilha nem com senadores o nome do estabelecimento em que pernoita.

Acho que essa dualidade é que incomoda. Eu uso a internet para procurar hotéis para minhas ocasionais viagens. Imediatamente após a primeira busca, recebo uma porção de anúncios do hotel x ou y naquela cidade ou até em outras que jamais pensei em visitar.

É um jogo de mão dupla: abrir um pedaço (irrelevante, de resto) da minha privacidade em troca da facilidade de descobrir e reservar o hotel mais adequado às minhas necessidades.

O problema começa quando alguém ganha dinheiro —e muito dinheiro— ao avançar os limites do meu, do seu, do nosso direito à privacidade.

O problema fica ainda maior quando as empresas “mineradoras” de dados nas redes sociais os utilizam para personalizar a propaganda —política/eleitoral ou de outra natureza. Fica claro, pois, que é preciso de fato estabelecer regras, tal como Zuckerberg e os congressistas americanos concordaram em fazer.

Não há qualquer razão para que uma empresa de mídia, como o Facebook inegavelmente o é, não tenha que respeitar regras como o fazem as empresas tradicionais do ramo.

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