Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

A Argentina vive a maldição do dólar

Para domar a moeda americana, governo Macri ataca o crescimento

Como um dos raríssimos brasileiros que gostam da Argentina e dos argentinos, bateu um frio na espinha ao ler, na sexta-feira (4), a avaliação que o governo argentino fez, segundo o jornal Clarín, a respeito da forte turbulência no mercado cambial na semana passada.

Depois que, na mesma sexta, o banco central aumentou (de novo) os juros, para escandalosos 40%, a cotação da moeda americana teria atingido um ponto de equilíbrio. E teria ficado demonstrado “o poder de fogo” que o governo acha ter para controlar o câmbio.

Voltei 37 anos no tempo. Em 1981, a Argentina trocou um general-presidente (Jorge Rafael Videla) por outro (Roberto Viola). Despachou o então ministro da Economia, José Alfredo Martínez de Hoz, que mantivera o câmbio praticamente congelado, e entronizou um burocrata chamado Lorenzo Sigaut.

Sigaut pronunciou então uma frase que se tornou famosa: “Quem apostar no dólar vai perder”.

Eu era correspondente em Buenos Aires e estava presente no dia em que o mesmo Sigaut deu uma entrevista coletiva para anunciar uma desvalorização de 30% do peso. Equivalia, pois, a dar de saída um ganho de 30% em quem tivesse apostado no dólar.

Depois dessa desvalorização inicial, vieram dezenas de outras. O peso é que passou a não valer nada.

Não estou dizendo que o poder de fogo que o governo de Maurício Macri apregoa será tão ilusório quanto a derrota da aposta no dólar, proclamada há 37 anos. Mas é evidente que a Argentina continua prisioneira da desconfiança em sua moeda e, por isso, fascinada pelo refúgio seguro representado pelo dólar.


É uma situação que atravessou a ditadura e a democracia, um governo mais ou menos de esquerda como os dos Kirchner e um governo de direita como o de Macri.

Essa anomalia ajuda a entender por que o peso está sofrendo mais do que quase todas as moedas de emergentes nesta hora de turbulência.

É como escreveu o jornalista Gustavo Bazzan para o Clarín: “Demonstra-se outra vez que, quando as dúvidas invadem os mercados, a Argentina é a primeira a sofrer as consequências”, porque “a economia local é a que parece mais vulnerável por sua forte dependência de capitais externos que financiem o gradualismo [no ajuste das contas públicas]”.

Presa nessa armadilha, a Argentina jogou os juros lá para cima e anunciou um corte de despesas de cerca de US$ 3 bilhões (R$ 10,5 bilhões) no gasto público.

Entra, assim, em outra armadilha: para tranquilizar os investidores sobre o déficit, mina as chances de crescimento econômico, ao tornar o dinheiro mais caro e ao reduzir as despesas públicas.

Como o crescimento previsto pelo FMI (2%) já é dos mais baixos na América Latina e, assim mesmo, a inflação se mantém elevada (19,2%, prevê o Fundo Monetário Internacional), cai-se na conhecida situação de se correr, o bicho pega, se ficar, o bicho come.

A mediocridade no crescimento, com suas sequelas sociais inevitáveis, é uma característica de quase toda a América Latina, sem que apareça alguém capaz de encontrar um caminho para desarmar essas bombas de tempo que periodicamente explodem.

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