Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Cuba abre brecha ao capitalismo

Nova Constituição mantém ditadura mas algo se move

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Os eleitores cubanos devem aprovar no domingo (24) uma nova Constituição que dá um passinho em direção a uma economia menos controlada pelo Estado.

Não, não se trata de introduzir a democracia, em geral associada à uma economia aberta. O novo texto reafirma o Partido Comunista como "força dirigente superior da sociedade e do Estado" e ainda acrescenta que o sistema de partido único é irrevogável por toda a eternidade.

À primeira vista, imobilismo absoluto. Mas a nova Carta reconhece o papel do investimento privado na economia, o que não constava do texto vigente, assim como diversas formas de propriedade privada, o que já existe, mas ganha agora um firme carimbo constitucional.

Até outubro de 2018, já estavam registrados 588.916 "cuentapropistas" (trabalhadores por conta própria, na verdade o famoso PJ, pequenos proprietários). Representavam 13% da população ocupada.

A sabedoria convencional manda imaginar que a nova Constituição facilitará a expansão desse tipo de negócios. Diz, por exemplo, Michael J. Bustamante, um dos maiores especialistas na ilha, professor do Departamento de História da Florida International University: "A princípio, tais regras podem abrir a porta a uma expansão do setor privado maior do que a que já vimos desde 2010". Completa: "Trabalhadores no setor 'cuentapropista' estavam ansiosos pelo reconhecimento legal de seus negócios, o que lhes permitiria ter acesso a canais diretos de importação e talvez até a investimentos estrangeiros".

Mas Bustamante introduz uma ressalva em seu cauteloso otimismo: "Para chegar a esse ponto, é necessária uma legislação complementar".

Mais otimista é William M. LeoGrande, professor de governo na American University de Washington, que voltou de uma viagem a Cuba em janeiro com uma convicção firme: "A mudança está no ar".

LeoGrande cita como exemplo da mudança a penetração da internet na ilha: no fim de 2018, perto da metade da população cubana tinha celulares (ilegais até 2008) e havia acesso 3G para todos os que podiam pagar por ele. "Essas mudanças tornaram possível novas formas de comunicação, de formação de redes e de organização pela mídia social", escreve.

É razoável supor que esse fenômeno, presente no mundo todo, ajudou a moldar um texto constitucional mais aberto.

O artigo 41, por exemplo, declara "irrenunciável, imprescritível, indivisível, universal e interdependente" o respeito aos direitos humanos.

O artigo 96, por sua vez, trata do direito de habeas corpus, "inovação constitucional importante", escreve Jorge Domínguez, professor emérito da Universidade Harvard.

É evidente que ditaduras podem inscrever o que quiserem na Constituição e desrespeitarem na vida real o que está escrito, até porque a estrutura básica do regime cubano (a ditadura) não foi tocada. Mas o processo de consultas para chegar ao texto permite ao otimista LeoGrande afirmar que "o precedente de grupos organizados de interesse montarem bem sucedidas campanhas para mudar políticas governamentais está agora estabelecido, e será difícil para o Estado evitar futuras mobilizações em torno de itens mais sensíveis".

A brecha aberta é minúscula mas sempre pode ser ampliada se a sociedade se movimentar.

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