Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Conseguimos piorar o que já era ruim

Vamos combinar que o Brasil virou uma bagunça

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Com o brasileiro, não há quem possa, dizia uma musiquinha ufanista —e brega, como todo ufanismo— lá pelos anos 70.

Agora, dá para repetir: tanto é verdade que ninguém pode com o brasileiro que essa nossa formidável tribo consegue, nestes momentos, tornar ainda pior o que já era ruim, muito ruim.

Refiro-me, claro, ao surto censório de ministros do STF, que, primeiro, resolveram sair por aí caçando autores de “fake news".

Os ministros do STF Dias Toffoli, à dir., e Alexandre de Moraes
Os ministros do STF Dias Toffoli, à dir., e Alexandre de Moraes - Pedro Ladeira - 21.mar.19/Folhapress

Depois, aplicaram a censura a duas publicações (Antagonista e Crusoé), que ousaram reproduzir trechos de um inquérito da Lava Jato em que há uma insinuação da Odebrecht sobre o atual presidente da Corte, Dias Toffoli.

Não é curioso que, quando todas as publicações do mundo usavam trechos da Lava Jato com acusações sobre Lula, Temer, Aécio, Eduardo Cunha e uns “trocentos” outros políticos, o Supremo não censurou ninguém?

Criou-se um tremendo paradoxo, mais uma jabuticaba: um presidente da República, Jair Bolsonaro, notório por defender a ditadura (que censurou a mídia em geral) e a tortura (que matou jornalistas, caso, por exemplo, de Vladimir Herzog), agora vem a público para dizer que a liberdade de expressão “é direito legítimo e inviolável".

Enquanto isso, o STF, em tese o grande vigia do cumprimento da Constituição, a que defende o tal “direito legítimo e inviolável", viola esse princípio. Meu Deus, como é que vou explicar essa bagunça para meus amigos estrangeiros?

Chega-se agora, aliás, ao ponto culminante da bagunça. Já tínhamos um Executivo capaz de meter-se em uma confusão atrás da outra, uma espécie de Abelardo Barbosa, o Chacrinha, aquele que não veio para explicar mas para confundir.

Não é o caso de repetir todas as barbaridades praticadas nestes cento e poucos dias de governo. Mas é preciso citar a mais recente, a declaração, depois corrigida, de que é possível perdoar o Holocausto, mas não se deve esquecê-lo.

Já seria uma estupidez rematada em qualquer cidadão, mas torna-se aberrante na boca de quem se diz profundo admirador de Israel. Que se ofenda um inimigo, dá até para entender (embora não se justifique), mas que se agrida um amigo, aí é coisa de louco.

Entende-se por isso a reação de autoridades judaicas para dizer que o Holocausto não é perdoável. Não é mesmo.

Trata-se de um crime não contra os judeus —o que já seria intolerável— mas contra a humanidade. Crimes contra a humanidade não são toleráveis nem prescrevem.

Mas o que esperar de quem defende outro crime contra a humanidade, como o é a tortura? A bagunça no Executivo estende-se ao Legislativo, como se tem visto dia sim, o outro também.

Aí vem o Judiciário e dá sua inestimável contribuição para a baderna generalizada.

No caso da investigação sobre “fake news", qualquer criança de berçário sabe de cor que quem investiga não julga; quem julga não investiga. Ponto.

O espantoso é que talentos como o dos editorialistas desta Folha e os imperdíveis Hélio Schwartsman e Bruno Boghossian tenham sido obrigados a desenhar essa obviedade para os ministros do STF.

Não sei quem foi que disse que o Brasil é maior que o abismo e, portanto, não pode cair nele. Sei, não. O país está se apequenando tanto que vai acabar cabendo, sim, mais cedo que tarde.

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