Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

O novo grito é 'Índia acima de tudo'

E o Brasil, aparvalhado, tende a ficar por baixo

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A maior eleição do mundo, a da Índia, produziu, como era previsível, o nascimento de uma nova fera e de uma nova palavra no jogo mundial de poder.

A fera leva por nome Narendra Modi, o primeiro-ministro reeleito, e a nova palavra é “hindutva”, a qualidade de ser hindu e que alguns especialistas consideram o reflexo exato, em hindu, do islamismo político (não confundir islamismo político com terrorismo).

Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia, em evento após a vitória nas eleições - Adnan Abidi - 23.mai.2019/Reuters

Ou, como preferiu Florência Costa, nesta Folha, a Índia entrou na era da hegemonia do nacionalismo hindu.

​Florência sabe do que fala: trabalhou, como jornalista, por seis anos na Índia e escreveu “Os Indianos” para contar o que é essa formidável tribo de 1,3 bilhões de habitantes, 900 milhões de eleitores, 372 partidos e 22 idiomas oficiais.

Por mais remota que pareça a Índia para os brasileiros, a nova fera frequenta a nossa área, como membro que é dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Não é só isso: Modi, já nos seus primeiros cinco anos de governo, desenvolveu extraordinário ativismo internacional.

Escreve por exemplo Ashley J. Tellis (pesquisador-sênior do Carnegie Endowment for International Peace): “Pode-se argumentar que desde o longo período de Jawaharlal Nehru [primeiro-ministro de 1947 a 1964], a Índia não havia se engajado em tamanho arco de temas globais, indo de mudança climática a realinhamentos estratégicos”.

Para Tellis, esse ativismo se assenta, bem feitas as contas, “em uma visão da Índia como um líder no sistema internacional".

O Brasil, desde pelo menos a ditadura militar, sempre teve visão mais ou menos idêntica a respeito de seu próprio papel. Se e quando o atual governo acordar de seus delírios aloprados, terá que recuperar essa visão e, ao tentar levá-la à prática, encontrará na Índia ao mesmo tempo um parceiro (nos Brics) e um adversário (na ambição de um papel global).

Modi e Jair Bolsonaro compartilham o sentimento nacionalista. O indiano bem que poderia proclamar “a Índia acima de tudo", mas jamais acrescentaria “Jesus acima de todos".

Modi é campeão do hinduísmo, mas nem por isso deixa ser visto, como Bolsonaro, como uma ameaça à democracia. Zoya Hasan (Universidade Jawaharlal Nehru) disse a El País que Modi “faz mau uso das instituições para servir aos interesses do BJP [Bharatiya Janata Party ou Partido do Povo Indiano, a agrupação de Modi]". Completa: “O pluralismo como pilar da democracia está seriamente ameaçado".

Pode ser mas é razoável supor que Modi terá que fazer conviver o seu nacionalismo hindu, inerentemente conservador, com o desenvolvimentismo necessário para fazer a Índia avançar. Afinal, 58% por cento da população indiana depende da agricultura —porcentagem alta demais para um país que pretende tornar-se um ator global relevante.

É significativo que, além da “hindutva", o programa eleitoral do BJP anunciava generosos investimentos em infraestrutura, incluindo 100 novos aeroportos e 50 novos sistemas de metrô.

É mais por esse caminho do que pela “hindutva" que a Índia pretende chegar até 2030 ao posto de terceira economia mundial (hoje é a sexta).

Seja qual for o caminho, o Brasil entrará com atraso no jogo que ganhou um novo e relevante ator.

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