Colo de Mãe

Cristiane Gercina é mãe de Luiza e Laura. Apaixonada pelas filhas e por literatura, é jornalista de economia na Folha

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Colo de Mãe

Mãe morre e fica 12 dias para ser encontrada; até quando seremos invisíveis?

Mulher tinha filho autista de seis anos, que ficou trancado, sozinho e sem ajuda

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São Paulo

Uma mãe de 39 anos morreu e foi encontrada apenas 12 dias depois no sul de Minas Gerais. Ela tinha um filho de seis anos, diagnosticado no transtorno do espectro autista, que conviveu com a mãe morta durante todo esse período.

A mulher só foi encontrada após um irmão sentir falta dela por não ter dado notícias por cerca de duas semanas. Ele foi ao local, arrombou a porta e encontrou a cena. O sobrinho na cozinha, sem saber falar exatamente sobre o que ocorreu, e a mãe morta, no quarto, com o corpo em estado avançado de decomposição.

Perder os pais é das experiências mais duras da infância - Fotolia

A polícia foi chamada e, como praxe, iniciou investigações. Foram as autoridades que decretaram tratar-se de morte natural, provavelmente por infarto do miocárdio, ocorrida cerca de 12 dias antes. A notícia, que choca por si só, não chamou grandes atenções. Não houve registros em redes de tevê e o caso foi tratado de forma regional, por jornais regionais.

Para mim a situação dessa mãe e dessa criança revela, de forma profunda, o quanto somos invisíveis enquanto mães. O quanto a sociedade acredita que mãe pode tudo, aguenta tudo e não precisa —nem merece— de cuidado, atenção, amor, afeto e acolhimento.

Os casos se agravam quando se tratam de mães de crianças atípicas. Falta apoio, parceria, empatia, amor e um mínimo de humanidade. Nessas horas, não sobra ninguém. Onde estavam fundamentalistas religiosos que bradavam xingamentos a uma menina de 11 anos e sua avó, após a garota precisar passar por um aborto de gravidez fruto de estupro por parte do tio?

Onde estava o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que quer definir a cor de roupa que seu filho deve ou não usar? Onde estavam os "jornalistas" responsáveis por programas de tevê de cunho muitas vezes criminoso, que passaram tardes e tardes xingando ex-presidente da República, réu em processo nos quais saiu inocentado?

A maternidade tem um aspecto de solidão, pois não há quem possa carregar, parir e amamentar por nós, mulheres mães (não que mães que não tenham vivido essas experiências sejam menos mães), mas a forma como tentam —e, muitas vezes, conseguem— nos invisibilizar é cruel.

Eu sinto tanto por essa mãe, por essa criança, pela família, pela sociedade adoecida em que estamos. Eu sinto não tê-la conhecido e poder, de alguma forma, ter dado um abraço. Sinto por não conseguirmos avançar no debate de proteção a filhos e mulheres que escolhem ter filhos.

Sinto que ainda sejamos achincalhadas quando escolhemos não ser mães, porque querem, a todo momento, nos enfiar goela abaixo a maternidade compulsiva. Sinto e, por sentir, vou estar sempre gritando, seja nesta coluna, seja no meu dia a dia em defesa da maternidade consciente e com amor. Nós mães precisamos ser vistas, olhadas, acolhidas, atendidas e ter nossos direitos definidos e respeitados.

E, não, não precisamos de lunáticos antiaborto e defensores da tradicional família brasileira que não entendem nada de família. Precisamos de respeito. O resto a gente se vira.

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