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Como o direito ao aborto nos EUA mudou o mercado de trabalho para as mulheres

Decisão judicial Roe v. Wade ajudou mulheres a economizarem dinheiro no início da idade adulta

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Emma Goldberg
The New York Times

Quando Barbara Schwartz relembra seus dias de juventude trabalhando como assistente de palco na Broadway, ela se lembra de toda a excitação: as bailarinas nervosas vestindo os figurinos nos bastidores, os contrarregras segurando lanternas entre os dentes.

Ela foi capaz de se lançar nessa carreira de alta pressão por causa de uma escolha que fez em 1976, diz. Ela fez um aborto numa clínica que encontrou nas Páginas Amarelas. Foi três anos depois que a decisão judicial Roe v. Wade estabeleceu o direito constitucional ao aborto; para Schwartz, o mundo parecia cheio de novas oportunidades profissionais para as mulheres. Ela conseguiu um cartão de crédito em seu nome, tornou-se uma das primeiras mulheres a entrar no sindicato local e se juntou à multidão de trabalhadores técnicos em shows como "Cats" e "Miss Saigon".

Hoje com 69 anos, Schwartz está aposentada. Ela passa estes anos escoltando mulheres até as portas de uma clínica de aborto na fronteira da Virgínia e do Tennessee. Foi atraída por esse trabalho voluntário, segundo disse, porque para ela a promessa de seus 20 anos diminuiu –o resultado de leis que reduziram o acesso ao aborto, com um projeto que vazou da Suprema Corte na semana passada revelando que Roe provavelmente será derrubada.

"Esta é minha forma de retribuir", disse Schwartz.

Barbara Schwartz, acompanhante de pacientes, do lado de fora do Bristol Regional Women's Center em Briston, Tennessee - Jacob Biba/The New York Times

É assim também que Ginny Jelatis, 67, pensa a respeito. Ela estava no último ano do ensino médio no ano em que Roe v. Wade foi decidida; e começou a servir como acompanhante clínica depois de se aposentar de seu trabalho como professora de história, em 2016.

"Sinto que minha vida é perfeitamente emoldurada por essa questão", disse Jelatis. "Tornei-me adulta aos 18 anos e aqui estou, aos 60, ainda nessa luta."

Para mulheres como Jelatis, que entraram na idade adulta no início dos anos 1970, o mundo do trabalho e das oportunidades estava mudando rapidamente. A participação das mulheres na força de trabalho passou de cerca de 43% em 1970 para 57,4% em 2019. Muitos fatores levaram as mulheres à força de trabalho em maior número naqueles anos, mas os estudiosos argumentam que o acesso ao aborto foi importante.

"Não há dúvida de que o aborto legal possibilita que mulheres de todas as classes e raças tenham algum controle sobre suas vidas econômicas e a capacidade de trabalhar fora de casa", disse Rosalind Petchesky, professora aposentada de ciência política no Hunter College, cuja pesquisa foi citada na decisão da Suprema Corte de 1992 no caso Planned Parenthood v. Casey, que confirmou Roe.

As mulheres que entraram no mercado de trabalho logo após Roe estão agora atingindo a idade da aposentadoria. Algumas, como Carolyn McLarty, veterinária aposentada, estão mais comprometidas do que nunca com o ativismo antiaborto. Outras, como Schwartz, olham para trás e sentem que suas carreiras estão em dívida com a decisão da Suprema Corte de 1973 e com as opções reprodutivas que ela permitiu às mulheres. Então elas estão passando os anos de aposentadoria trabalhando como acompanhantes em clínicas de aborto.

A experiência de acompanhantes de clínica mais velhas, compartilhada em entrevistas ao longo dos últimos meses, mostra o que Roe significou para um grupo específico: mulheres que lutaram pelo acesso ao aborto quando estavam à beira da idade adulta e cuja vida profissional foi moldada pelas oportunidades que Roe lhes proporcionou, na opinião delas.

"Meu Deus, tudo regrediu", disse Debra Knox Deiermann, 67, acompanhante de clínica na área de St. Louis (Missouri). "Eu simplesmente não consigo acreditar que as mulheres jovens não terão acesso ao que nós tivemos."

Outras mulheres que estavam começando suas famílias ou carreiras quando houve a decisão Roe lutaram arduamente contra o aborto legal, suas vidas adultas marcadas por uma decisão que acharam terrível na época e estão felizes ao ver que está prestes a ser derrubada. De acordo com o instituto Gallup, em 1975, 18% das mulheres de 18 a 29 anos acreditavam que o aborto deveria ser ilegal em todas as circunstâncias; no ano passado, nesse mesmo grupo de mulheres, hoje com 63 a 75 anos, a porcentagem era de 23%.

Uma pesquisa da Pew Research em 2021 descobriu que 59% dos americanos disseram acreditar que o aborto deveria ser legal em todos ou na maioria dos casos, e 39% disseram que deveria ser ilegal em todos ou na maioria dos casos. Dados recentes do Pew indicam que as mulheres são um pouco mais propensas que os homens a dizer que o aborto deve ser legal em todos os casos, e pessoas mais jovens, entre 18 e 29 anos, são muito mais propensas do que os adultos mais velhos a dizer que o aborto deve ser legal em alguns ou todos os casos.

O Bound4Life, grupo antiaborto da sociedade civil, estima que um quinto de suas voluntárias sejam aposentadas. O Eagle Forum, grupo antiaborto que atende pessoas de todas as faixas etárias, estima que a maioria de suas voluntárias tenha 55 anos ou mais.

Da esq. para dir., as voluntárias Rowan Skeen, Denise Skeen e Barbara Schwartz conversam do lado de fora do Bristol Regional Women's Center em Bristol, Tennessee, enquanto esperam a chegada dos pacientes - Jacob Biba/The New York Times

"Elas são quase o único grupo etário que responde aos nossos e-mails e responde quando enviamos alertas para chamar suas autoridades eleitas", disse Tabitha Walter, diretora política do Eagle Forum, em um e-mail ao The New York Times.

Algumas são motivadas pelas enormes mudanças culturais e jurídicas sobre o aborto que testemunharam e, em alguns casos, conduziram ao longo de suas carreiras.

"Eu vi o pêndulo oscilar de muito conservador para fora de controle, rejeitando a Deus", disse McLarty, 71, que é voluntária como secretária do conselho do Eagle Forum e esteve envolvida no Partido Republicano de Oklahoma. "A geração mais jovem está vendo como eles foram enganados em muitas coisas."

McLarty disse que sabia que as mudanças na lei do aborto durante sua vida coincidiram com o aumento da participação das mulheres na força de trabalho. Mas, por sua vez, ela gostaria de ter dedicado menos tempo à sua carreira e mais a cuidar dos filhos.

"Olhando para trás, eu provavelmente teria passado mais tempo em casa", disse McLarty, que trabalhou meio período quando seus filhos eram pequenos. "Há momentos diferentes na vida para capítulos diferentes."

O último meio século trouxe uma série de mudanças culturais que facilitaram a entrada das mulheres no mercado de trabalho. Novas tecnologias criaram novas funções em escritórios, muitas das quais foram para as mulheres; as taxas de conclusão do ensino médio aumentaram; o estigma associado às mulheres casadas no local de trabalho diminuiu.

Mas sociólogos e economistas argumentam que o aborto legal é um fator singularmente importante, dando a muitas mulheres a opção de adiar a formação de famílias e economizar dinheiro no início da idade adulta.

Pesquisas recentes tentaram entender o papel que o acesso ao aborto desempenha no emprego das mulheres. O mais notável é o Turnaway Study, realizado na Universidade da Califórnia em San Francisco.

Os pesquisadores acompanharam dois grupos de mulheres –um grupo que queria e fez abortos e outro que queria abortos e não conseguiu obtê-los– durante cinco anos e descobriram que aquelas que não conseguiram abortar tiveram piores resultados econômicos. Quase dois terços das que não fizeram o aborto que desejavam estavam vivendo na pobreza seis meses depois, em comparação com 45% das que fizeram o procedimento.

A derrubada de Roe significaria que as mulheres de todos os EUA enfrentariam leis estaduais variadas sobre o acesso ao aborto, com 13 estados prontos a proibir o aborto imediatamente ou muito rapidamente após a decisão do tribunal. É muito provável que haja uma correlação entre as regiões do país onde é mais difícil fazer um aborto e aquelas com menos opções de creches e licença parental, de acordo com uma análise dos resultados da pesquisa do site financeiro WalletHub.

Para as mulheres mais velhas que acreditam ter conseguido estabilidade financeira por causa da decisão de fazer um aborto, há ressonância em compartilhar suas histórias com as mulheres mais jovens que encontram nas clínicas hoje.

"As pessoas mais velhas com quem trabalho podem se lembrar daquele pavor de 'Meu Deus, e se isso acontecer comigo?'", disse Deiermann, que passou a maior parte de sua vida profissional trabalhando em defesa da saúde reprodutiva.

Muitas voluntárias em clínicas, como Deiermann, lembram-se de quando suas colegas e amigas fizeram abortos ilegais. Contar essas histórias parece mais urgente do que nunca.

Karen Kelley, 67, enfermeira aposentada e parteira em Idaho, que é voluntária em uma clínica de aborto, passou a infância alinhada com as visões antiaborto de sua família católica. Então ela se viu grávida aos 20 e poucos anos, sem renda para sustentar um bebê. Percebendo que a maternidade poderia "inviabilizar todas as suas esperanças", ela optou por interromper a gravidez, cerca de seis anos depois de Roe.

Eileen Ehlers, terapeuta familiar aposentada, e seu marido, Bob, fuzileiro naval aposentado, do lado de fora do Equality Health Center, onde são voluntários como acompanhantes de pacientes, em Concord, N.H - John Tully/The New York Times

Essa é uma lembrança que Kelley transmite às mulheres que ela acompanha até os degraus da clínica. "Se me perguntarem, sempre digo que entendo como elas estão se sentindo porque fiz um aborto e elas têm todo o direito de tomar a decisão", disse ela.

E algumas mulheres mais velhas disseram que a posição em que estão hoje –aposentadas, com economias e estabilidade– é algo que atribuem à Roe.

"Isso nos deu a chance de decidir nos casar e ter uma família mais tarde", disse Eileen Ehlers, 74, professora de inglês aposentada e mãe.

O que Roe deu a ela é algo que agora pode retribuir no voluntariado: "Temos tempo", disse ela.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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