Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Magistocrata não sai de férias, vende

Existem coisas que a magistocracia não compra; para todas as outras, existe MagistoCard

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Se crises são oportunidades, magistocratas as elevam à máxima potência. Mesmo durante ruína econômica do país, seguem exigindo vantagens e bailando nos salons do 0,1% da pirâmide social brasileira. Aplicam uma demão de tinta jurídica à cara de pau e apelidam abuso de poder de "direito" —direito de enriquecer enquanto estratos inferiores empobrecem. Não faz sentido de justiça, mas a moralidade é zona desconhecida da condição magistocrática.

Reportagem da Folha noticiou que, por decisão do ministro Dias Toffoli, prestes a desocupar presidência do STF e do CNJ, magistrados passam a ter direito a indenização se desejarem vender 20 dos seus 60 dias de férias anuais. Para nosso alívio, assegurou que o impacto da medida no orçamento será "baixíssimo", algo em torno de R$ 50 milhões. No toffolês, o adjetivo hiperbólico ocupa o lugar do argumento.

Se juiz não quiser 60 dias de férias, portanto, basta apresentar o MagistoCard. Terá não só a chance, mas direito à venda. Se vender 100% das férias, ainda sobra generoso período de recesso forense para descansar (20 dias). Sobra também um número x de "faltas abonadas" e um número y de "faltas compensadas", conforme a criatividade do tribunal. Quase um trimestre.

Só um iniciado nos arcanos da magistocracia para explicar tudo o que resta. Dá bem mais que 60 dias. Em dinheiro no bolso, dá bem mais do que a vista alcança.

O presidente da Associação dos Juízes Federais fez apelo antidiscriminatório: "A gente, para ter direitos iguais aos trabalhadores comuns, que todos têm, tem muita dificuldade". E concluiu: "A gente passa por uma situação muito difícil".

A ministra presidente do Tribunal Superior do Trabalho respondeu com clareza antimagistocrática: "A garantia de conversão de 20 dias de férias em dinheiro revela a desnecessidade de descanso por 60 dias. E há outras prioridades para alocação do dinheiro público."

A magistocracia desenvolveu uma cínica tecnologia jurídica para disfarçar aumento salarial. Há dois dispositivos essenciais: as férias fake para vender e a multiplicação de auxílios "indenizatórios" (livres de tributos) para explodir o teto. Isso quando novos benefícios não caem na conta de maneira retroativa. Em defesa do ilícito, praticam a autolegalidade, o hábito de afirmar que tudo está dentro da lei, mesmo quando não está. Magistocratas ignoram o lugar que ocupam na sociedade. Olham apenas para o lado e para cima.

Quando olham para o lado, denunciam outros cargos magistocráticos que gozam de privilégios exclusivos. Invocam argumento de justiça, não para denunciar vantagens indevidas dos outros, mas para reclamar equiparação. Juízes federais, por exemplo, costumam se comparar com juízes estaduais ou membros do Ministério Público. É a manobra da simetria: se outros ganham vantagens ilegais, por que não eles? "Uma situação muito difícil."

Quando olham para cima, apontam para a pequena fração de advogados muito ricos com os quais interagem no dia a dia forense. Aqui a manobra é contrafactual: se não se sacrificassem no serviço público, ganhariam fortuna no setor privado por força de sua inteligência. Precisariam ser recompensados pela abnegação.

Por último, incorrem no lapso freudiano: se não forem bem remunerados, alguns juízes não resistiriam à tentação da corrupção. Supõem noção bem alargada de "bem remunerados" e outra bastante inocente de "corrupção".

A sociologia chama o fenômeno magistocrático de "corrupção institucional". Não se confunde com caso individual de juiz que vende sentença, um problema criminal. Trata-se de sequestro corporativo do interesse público, um problema republicano.

Não é nada pessoal, apenas um modo de operar dessa instituição que, da boca para fora, zela pela "honorabilidade" da "família forense". Não faltam juízes honestos, mas alguém precisa fazer o serviço sujo da baixa política. No final, todo mundo ganha, todo mundo baila.

A magistocracia corrompe o Judiciário. A magistocracia de cúpula corrompe o Judiciário absolutamente.

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