Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Descrição de chapéu Folhajus

A esfinge lava-jatista, capítulo 6

Lista tríplice de 2023 tem nomes progressistas para a PGR; risco está em ignorá-la

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Críticos da lista tríplice para a Procuradoria-Geral da República têm pedido a Lula que a ignore. Que o presidente escolha sem consideração aos três indicados pela carreira em eleição da ANPR (Associação Nacional de Procuradores da República).

Parte desses críticos defende a nomeação de um clone de Augusto Aras. Um agente a serviço da política. De preferência, com a chancela de Gilmar Mendes, autor da decisão mais lava-jatista da era Lava Jato. Decisão monocrática que pavimentou a prisão de Lula.

Sede da PGR (Procuradoria-Geral da República) em Brasília
Sede da PGR (Procuradoria-Geral da República) em Brasília - José Cruz - 19.mar.23/Agência Brasil

No capítulo anterior, apontei cuidados para não causar confusão no debate: Lula não tem, de fato e de direito, dever de seguir a lista, e isso nada tem a ver com defesa dos valores promovidos por ela; a obediência à lista, sozinha, não resolve problemas estruturais do Ministério Público Federal; em vez de cogitações hipotéticas sobre o que a lista supostamente causaria, melhor também olhar para a lista concreta de 2023 e os fatos da história.

Para os críticos, a lista tríplice teria defeitos insanáveis. Primeiro, entidade privada corporativa a organiza. Logo, geraria escolha corporativista. Segundo, a lista da ANPR representa só o MPF e excluiria outros ramos do Ministério Público da União, que inclui os Ministérios Públicos do Trabalho e Militar. E o PGR seria chefe de todos eles. Terceiro, a lista carregaria o risco de um novo tarado lava-jatista. A escolha de um outsider minimizaria o risco.

A lista tríplice, de fato, tem imperfeições e poderia ser substituída por versão melhor. Na ausência de soluções ideais no momento, substituí-la pela discricionariedade presidencial absoluta piora dramaticamente o imperfeito. As objeções ajudariam a pensar numa reforma, quando for possível. Só não permitem concluir que, na falta da solução ótima, que Lula nomeie um aliado de Gilmar e congêneres. O receio é justo. O remédio, perigoso.

A lista tríplice é corporativa? Sim, ela permite que a corporação indique três potenciais chefes. E facilita um laço de confiança e legitimidade na liderança da instituição. O presidente pode ou não acolher a sugestão. E tem boa razão para acolhê-la: a promoção de independência para que o MPF possa, por exemplo, enfrentar a fúria da delinquência política (ou de minorias ricas contra maiorias pobres, ou do crime organizado contra povos da floresta).

A lista tríplice é corporativista? A objeção alerta que a lista só selecionaria procuradores preocupados com salários e vantagens. Os deveres constitucionais do MPF ficariam em segundo plano. Bom lembrar, antes de qualquer coisa, que Augusto Aras, outsider, foi o PGR mais corporativista desde a criação da lista tríplice. Espalhou benefícios.

Para quem pensa que lista tríplice só traz corporativistas, vale olhar para a história. Na lista tríplice de 2013, ao lado de Janot, estavam Ela Wiecko e Deborah Duprat, as duas mais homenageadas procuradoras da República. Ao lado de Janot, em 2015, estavam Mario Bonsaglia e Raquel Dodge. Dilma escolheu a pior opção. E reincidiu. Um apego equivocado ao primeiro lugar.

Mario Bonsaglia já esteve em quatro listas tríplices no passado. Está na sua quinta, em 2023. Luiza Frischeisen já esteve em duas listas. Está na sua terceira, em 2023. Ela Wiecko esteve em seis, nunca foi nomeada. FHC teve a chance de nomeá-la uma vez. Lula três vezes. Dilma duas vezes.

A lista tríplice serve para evitar um lava-jatista como Janot ou Dallagnol tanto quanto para prevenir um lava-jatista invertido como Aras. Uma figura inexpressiva na carreira, como Aras, jamais seria escolhida. Uma figura hábil como Janot, talvez. Nesse caso, dado o histórico de eleições, tende a haver um ou dois outros candidatos respeitáveis como alternativa.

Lula e Dilma erraram. A lista tríplice não tem nada a ver com esses erros. Havia então alternativas progressistas. Há alternativa progressista na lista de 2023.

Republicano não é escolher o primeiro da lista, mas o melhor da lista. Por isso se chama lista tríplice, não lista una. Não é remédio infalível para nada. Tende a ser menos falível, porém, que o cheque em branco ao presidente. Do jeito que todo autocrata gosta.

Desmontar e desmoralizar de vez a lista tríplice é o que pede o próximo Bolsonaro. Reformá-la e corrigir suas fragilidades ajudaria a defesa da Constituição. E se alguém disser "mas e o risco lava-jatista?", volte para o primeiro capítulo.

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