Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Descrição de chapéu Folhajus

A esfinge lava-jatista, capítulo 5

Lula poderia ter razões concretas para ignorar a lista tríplice, mas não tem nenhuma

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O programa de Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República se fez em torno do tripé da omissão, intimidação e bloqueio. Diante de presidente que incitava invasão de terra indígena e desmatamento (crime organizado), rifa de joias com assessoria militar (crime mal organizado), libera morte pandêmica (crime contra a humanidade) e golpe de Estado (crime contra a democracia), Aras não fez, perseguiu quem fez e não deixou fazer. E não sofreu controle.

Essa falha institucional, assim como o descalabro da Lava Jato de Curitiba (chancelada pelo STF por muito tempo), revela a urgência do aperfeiçoamento do Ministério Público Federal. Aperfeiçoamento, não esvaziamento. A completa sujeição da mais central instituição de controle da delinquência política à política significará retrocesso constitucional. Boa reforma não é qualquer reforma. O diabo é ilusionista e se veste de progressista.

Fachada da PGR (Procuradoria-Geral da República), em Brasília
Fachada da PGR (Procuradoria-Geral da República), em Brasília - Gabriela Biló - 22.ago.23/Folhapress

Controlar abusos, prevenir erros e não se deixar levar pelo canto sectário do lava-jatismo e do lava-jatismo invertido (também chamado de anti-lava-jatismo) é o desafio da boa reforma do MPF. São patologias anti-institucionais equivalentes com alvos diversos.

Desenhos institucionais não fazem milagre, ainda que geniais os arquitetos. Se muitos de seus operadores forem mal-intencionados, não há separação de poderes que segure. Montesquieu e James Madison, dois artífices clássicos dessa invenção constitucional, teriam que ralar mais na teoria se soubessem da união dos três Poderes com o poder econômico em Lisboa (organizada por empresa de ministro do STF, com gasto público não demonstrado).

Bom desenho, porém, pode aumentar as chances de que certas virtudes se sobressaiam, e vice-versa. Essa premissa conceitual, uma das regras de ouro da ciência política, recomenda modéstia quando discutimos se a lista tríplice deveria ser seguida por Lula. Sozinha, a lista tríplice não vai resolver as patologias escancaradas por Aras. Sua existência, contudo, não deveria ser ignorada. Apesar de suas imperfeições.

O primeiro cuidado é não discutir a vantagem e desvantagem da lista tríplice em abstrato, sem olhar para os fatos. Há, sem dúvida, razões hipotéticas para ignorar a lista tríplice em 2023. Depois de episódios históricos de messianismo político e destruição jurídica, como foi a Lava Jato de Curitiba, o trauma produziu imaginação paranoica. Mas a paranoia nunca foi boa bússola.

A avaliação das listas tríplices concretas dos últimos 20 anos, e a análise crítica das más escolhas que Lula e Dilma fizeram a partir dessas listas, ofereceria lastro empírico e histórico mais útil. Evitaria exercícios puramente especulativos e talvez ajudasse a entender por que o próprio PT, em 2019, publicou editorial com o título: "Bolsonaro e PGR: desrespeito à lista tríplice é maior retrocesso em 20 anos".

O segundo cuidado é não dizer que, do ponto de vista jurídico, "Lula não precisa nomear dentro da lista tríplice, pois a Constituição não obriga". O mesmo argumento tem sido invocado para ignorar reivindicações por representatividade no colegiado do STF. A afirmação só nos faz perder tempo. Um desvio de rota estratégico para quem rejeita a lista ou uma ministra negra no STF.

Omite-se que, em ambos os casos, a discussão nunca foi sobre eventual dever jurídico de Lula. Ninguém discorda que a lista tríplice, no modelo de hoje, não é compulsória. O pleito não busca colocar um cabresto no presidente, mas promover legitimidade e independência dessas instituições. Isso protege o presidente de abusos, não o contrário.

Lula poderia ter muitas razões para ignorar a lista tríplice que repousa hoje em sua mesa, mas não tem nenhuma. Sobram as razões contrafactuais, aquelas que começam pela pergunta: "e se na lista tríplice só houver descerebrados antipetistas e antipolíticos, o Lula tem o dever de nomear?" Essa pergunta não funciona como crítica à lista tríplice, nem no presente, nem no passado. Pode se provar, de novo, um tiro no pé.

O próximo capítulo vai enumerar as objeções à lista tríplice e demonstrar a fragilidade da defesa da discricionariedade presidencial absoluta. Argumentos concretos devem olhar para a lista real. Não é promessa de sucesso, mas é melhor que a alternativa. O capítulo seguinte vai listar mudanças mais abrangentes no MPF que facilitariam a contenção de atores destrutivos como Aras. O debate constitucional deveria ter isso na agenda.

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