Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus

A esfinge lava-jatista, capítulo 4

Omissão, intimidação e bloqueio: o tripé colaboracionista de Augusto Aras

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O Ministério Público Federal foi chefiado nos últimos quatro anos por um inimigo da instituição. Preferiu ser amigo do presidente. Como Jair Bolsonaro estava comprometido com a ruptura da democracia e o definhamento do Estado, Augusto Aras fez o contrário do que a Constituição lhe manda: em vez de controlar, colaborar com o projeto autocrático.

O procurador-geral da República construiu um tripé colaboracionista. No capítulo 2, tratei da sua prática omissa e prestidigitadora, que assistiu violações da lei sem fazer nada de concreto e consequente. No capítulo 3, expliquei como o PGR assumiu papel intimidador e assediador, inoculando nos críticos o medo da prisão, e nos procuradores da República o medo da demissão. Agrediu, ao mesmo tempo, a liberdade de expressão e a autonomia funcional.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, em evento no Palácio do Planalto, em Brasília
O procurador-geral da República, Augusto Aras, em evento no Palácio do Planalto, em Brasília - Antônio Augusto - 29.jun.19/Procuradoria-geral da República

Não é pouco, mas Aras também se engajou numa terceira frente: foi bloqueador institucional, um "gatekeeper". Buscou exaurir a energia e sufocar a atuação da instituição. Tirou da cartola uma interpretação exótica do "princípio da unidade" para suprimir a garantia constitucional da autonomia funcional. Tentou transformar membros do MPF em subordinados hierárquicos.

A tarefa de bloqueio combina três técnicas: a traição da confiança, por meio da quebra de convenções administrativas; a concentração de poderes na cúpula, que limita funções ordinárias de procuradores; e a centralização de toda a comunicação institucional no topo. Sob o pretexto de racionalização, eficiência e modernização, o ataque à transparência e a restrição ao que a instituição pode fazer. Todo esse poder sob o capricho de uma única autoridade.

A traição da confiança ocorreu pela revogação de padrões administrativos na instituição. A PGR passou a rejeitar pleitos justos e pequenos, especialmente de procuradoras mulheres, como autorização de teletrabalho por razões de saúde, ou pedidos de remoção. Passaram a ser tratados de forma discriminatória. Indicaram perseguição. Em decisões sem maior fundamentação jurídica, geraram desânimo e desmotivação. O assédio administrativo dificulta a carreira de procuradores não alinhados. Rompe qualquer presunção de boa-fé.

A concentração de poderes ocorreu por meio de recomendações que passaram a restringir funções normais de procuradores, sob a ameaça de consequências disciplinares. A mais ruidosa foi a recomendação que, em meio à pandemia, impediu que procuradores adotassem medidas judiciais ou extrajudiciais na "falta de consenso científico".

Implícita estava a sugestão de que não fizesse nada contra a adoção irrestrita de cloroquina ou o aplicativo Trate-Cov. O recado era para não fiscalizar a política pública. Pazuello não deveria ser incomodado.

A centralização da comunicação institucional adotou medidas para impedir que procuradores da República divulguem na imprensa investigações e outras medidas não sigilosas. Qualquer simples release de imprensa do MPF em todo o país precisa agora ser submetido ao juízo da secretaria de comunicação da PGR. Adotou-se não uma política de comunicação, com parâmetros para evitar abusos, mas o fim da transparência.

A comunicação pública é atividade indispensável ao sucesso de certas operações do MPF. Sob a sombra perversa do PowerPoint de Deltan, que tentou manipular grosseiramente a opinião pública, toda a comunicação do MPF foi posta em xeque. Com a cínica presunção de que todo procurador é um lava-jatista em potencial, um lava-jatista invertido como Aras conseguiu eviscerar as capacidades institucionais do MPF.

Em resumo, Aras não faz, não deixa os membros fazerem, persegue alguns que fazem, e busca travar a divulgação do que é feito. Parece almejar uma instituição que se limite ao trabalho fácil de perseguir as mulas do tráfico, sem incomodar estruturas de poder político e econômico.

Dedica-se ao micro, ao delito do miserável. Não ousa incomodar o macro, a delinquência organizada. Tenta transformar o MPF numa repartição burocrática, defensiva, inerte, subserviente à cúpula. Numa instituição amedrontada e prostrada. Numa carreira medíocre e politiqueira, ao modo magistocrático. Não é o Ministério Público da Constituição de 1988, que pode ser aperfeiçoado e controlado, mas não poderia se render à política.

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