Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Gelo e gim

Palavra 'cocktail' teve origem na independência americana e inspirou nosso rabo de galo

História do drinque passa por George Washington, tavernas, reis e princesas

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O galo cantou, não se sabe onde. São inúmeras as origens possíveis da palavra cocktail [coquetel]. Uma delas tem George Washington como personagem. Numa bebedeira com seus oficiais, as ideias para brinde se esgotaram. Um deles viu a pena de galo no chapéu do futuro presidente e declarou, confiante: "A toast to the cock's tail!" —um brinde ao rabo do galo.

Washington deve ter gostado. O pai-fundador da nação do Cadillac chegou a distribuir galões de rum para conquistar eleitores —versão mais animada do voto de cabresto. E montou uma grande destilaria depois de se aposentar.

O rum, por sinal, era objeto de disputa com os colonizadores ingleses e foi arma muito usada na guerra pela independência dos Estados Unidos. Dava a coragem necessária para os soldados, além de anestesiar os feridos.

Rabo de galo do bar SubAstor
Rabo de galo do bar SubAstor - Jefferson Coppola/Folhapress

Muitos galos foram depenados para enfeitar vaidosos militares, mas houve destinos piores. Cerca de 300 anos atrás, nas rinhas dos bárbaros norte-americanos, era preparada uma cerveja particularmente forte. Um dos ingredientes era o valente galo, cozido, pulverizado e fermentado com ervas e frutas secas. O resultado tinha nome: cock's ale.

Os ingleses, por sua vez, chamavam de cocktail os cavalos de raças misturadas. Foi assim também que Samuel Johnson batizou sua mistura de gim e vinho, em idos do século 18.

Já as mulheres tiveram papel importante na epistemologia do coquetel. Em 1779, Betsy Flanagan, dona de uma taverna próxima de Nova York, mexeu seu composto de rye e especiarias utilizando uma pena de galo. Foi o suficiente para que um francês entusiasmado gritasse: "Vive le coq's tail!". O brinde ecoou pela então violenta terra de ninguém.

Outra versão conta que um general americano teria se reunido com um rei asteca para tentar uma trégua na fronteira com o México, no começo do século 19. No meio da conversa surgiu uma moça deslumbrante oferecendo pulque, um fermentado de agave, numa taça dourada. Era a princesa, chamada Coctel.

No Brasil, o galo cantou no início dos anos 1950, quando a Cinzano decidiu se instalar em São Paulo para atender às demandas dos muitos imigrantes italianos. Acontece que eles preferiam a cachaça ao aromatizado vinho piemontês. A solução foi criar um híbrido que juntasse as duas bebidas.

Uma pintura de duas polegadas do ex-presidente americano George Washington
Uma pintura de duas polegadas do ex-presidente americano George Washington - Reuters

Assim surgiu o rabo de galo, em tradução literal. Produziram até um copo em Belém para beber a novidade. Vinha já com as marcas para as medidas de cachaça e vermute. Consta também que o copo tinha fundo espesso, para suportar as batidas no balcão depois de um gole decidido.

O drinque tornou-se uma alternativa barata ao negroni. O dramaturgo Aimar Labaki, autor da peça "Vermute", montada em 1998, com direção do italiano Gianni Ratto, define bem: "é uma bebida que atravessa classes, ao mesmo tempo popular e sofisticada".

Bianca Lima, 26, vencedora da etapa brasileira do World Class, maior torneio mundial de coquetéis, é outra apreciadora do rabo de galo. Ela, que costuma usar coentro, endro e salsinha em suas criações no Wills Bar, em Porto Alegre, acrescenta jerez à receita tradicional.

A poção paulistana tem concurso nacional e foi objeto de um curioso livro lançado em 1966, "A Arte do Rabo de Galo - Breve Discurso em Torno de Copos e Garrafas", de Luiz Lobo e Leopoldo Adour de Câmara, infelizmente esgotado.

Resta repetir o francês: "Vive le coq's tail!"

RABO DE GALO

Ingredientes
60 ml de cachaça envelhecida
15 ml de vermute doce
15 ml de Cynar

Passo a passo
Mexer os ingredientes com gelo e coar para um copo com gelo

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