Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Gelo e gim

Dor de cotovelo on the rocks

Era em meio às embiritações e emoções amorosas que Lupicínio compunha

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Lupicínio Rodrigues era um boêmio com regras claras. Não podia chegar em casa depois das quatro da manhã senão o pau comia. E só comparecia aos bares de segunda a sexta —os fins de semana eram dedicados à família.

Depois da habitual epopeia alcoólica, tomava uma sopa reparadora no aconchego do lar, dormia o sono justo e só voltava a ver o Sol quando o astro já estava a pino. O périplo pelas tavernas começava no meio da tarde. Eram mais de 12 horas diárias de cervejinha, caipirinha, uisquinho, papo furado, música e mulheres, as quais amou com paixão de fogo ou gelo, a depender das circunstâncias.

Compunha com uma caixinha de fósforos e o gogó —não sabia tocar nenhum instrumento. E começou cedo, aos 14 anos, para desespero do pai, que logo notou no adolescente a veia farrista. Precursor do emo e da sofrência, foi o rei do samba de corno e inventor certificado da dor de cotovelo.

Esta última, que pode ir de amena a gravíssima, se explica: após um pé na bunda, ou depois de ver a amada "nos braços de um tipo qualquer", o doente da dita articulação vai ao bar, pede uma bebida dupla e desata o carretel de lamúrias para o impávido garçom, não sem antes colocar o cotovelo no balcão, apoiar a cabeça e deixar-se estar na postura de resignação forçada.

E isso ao pé das letras. "Esses moços, pobres moços/ Ah, se soubessem o que eu sei/ Não amavam, não passavam/ Aquilo que eu já passei" ("Esses Moços"). "Junte todas as lágrimas do mundo/ Faça um coquetel de sofrimento" ("Coquetel de Sofrimento"). "Se eu não beber fico louco/ Se eu não beber, desespero/ Só bebendo eu esqueço a mulher/ A mulher que eu quero" ("Mais um Trago").

Lupicínio e Nelson Cavaquinho (esq.) em cena do documentário 'Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor', de Alfredo Manevy - Divulgacao

As agruras não ficavam apenas nas alcovas. Embora muitos boêmios negros de Porto Alegre negassem que houvesse racismo, o autor de "Se Acaso Você Chegasse" e "Nervos de Aço" viveu uma situação que provou o exato oposto. Ao fazer seu pedido num restaurante português na capital gaúcha, ouviu que o dono havia proibido o serviço a negros.

Lupi, que faria 109 anos neste dia 16, invocou a Lei Afonso Arinos, que fora promulgada pouco antes (estamos em 1951, o presidente é Getúlio Vargas), proibindo a discriminação racial no Brasil. E chamou a polícia, que acatou a acusação.

Mas o racismo se manifestou de outras maneiras, mais insidiosas. Lupi nunca fez shows em Porto Alegre, por exemplo. Ao menos não em casas oficiais, pois dava uma palhinha em cada bar que passava, a pedido de amigos e fãs. Faltou-lhe cuidar melhor dos próprios barzinhos que abria, fonte de renda complementar, já que os direitos autorais não bastavam, mesmo tendo sido cantado por Elza Soares, Bethânia, Gil, Caetano, Gal, Elis e Paulinho da Viola, entre tantos outros.

Em "Balanço da Bossa e Outras Bossas", o poeta, ensaísta e tradutor Augusto de Campos o comparou a Shakespeare e a Nelson Rodrigues, o que dá a medida de seu talento dramático. E ressaltou como seu canto "suave e levemente embargado" foi precursor da bossa nova.

Numa conversa com o cantor e compositor, anotou algumas frases lapidares. Entre elas, "Quem vê as pingas que eu tomo, não sabe os tombos que eu levo", que já saiu na cadência de uma letra pronta. Pois era em meio às embiritações e emoções amorosas que ele compunha.


ESMERALDA

50 ml de cachaça

10 ml de single malt

15 ml de licor Elderflower

10 ml de suco fresco de limão

7,5 ml de xarope de açúcar

Bata os ingredientes com gelo e coe para uma taça coupe previamente gelada. Use uma fatia de limão para a guarnição

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.