Gelo e gim

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Gelo e gim

Saiba como Oppenheimer criou seu próprio martini e veja como fazer

Drinque do físico tem quantidades desproporcionais de gim

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Daniel de Mesquita Benevides
São Paulo

A potência destrutiva é infinitamente menor. Ainda assim, o coquetel de Oppenheimer, sem ser uma ameaça à humanidade, pode causar estragos na escala íntima. Talvez por estar mergulhado na tarefa de fazer a bomba atômica antes dos nazistas, ele deu um toque mais explosivo à sua mistura.

Bom, chamar de mistura o martini criado pelo físico famoso e controverso é quase um erro estrutural. Pois a versão que ele preparava aos amigos de laboratório era praticamente gim puro. A composição molecular do seu martini varia pouco: para espantosos 120 ml de gim, apenas alguns lances de vermute seco e um resquício de limão e mel na borda da taça.

Robert Oppenheimer - Getty Images

Parte do motivo para a fórmula desproporcional foi a carência de ingredientes no ambiente secreto em Los Alamos, sede do Projeto Manhattan. Mas os relatos entusiasmados dos colegas indicam que o resultado agradou. Além do que, a missão tão potencialmente desumana talvez fosse motivo para ansiar pela embriaguez.

Como outro protagonista famoso pela permissão para matar, Oppenheimer gostava de bater seus martinis, em vez de mexer, como reza a etiqueta da coquetelaria. E o fazia com rigor ritualístico, acelerando as partículas de gelo e gim.

Depois de servir, fazia o brinde condizente com o momento: "À confusão de nossos inimigos!" Não deixa de ser curioso. Afinal, beber um coquetel tão potente tende mais a confundir que esclarecer. Imagine a ressaca no Projeto Manhattan, com a cabeça explodindo de números.

Para isso havia os cigarros e o café. Junto com os martinis, eram o combustível do cientista. Detonar, apagar, acender. Mais ou menos nessa ordem. Era Prometeu, o fígado bicado diariamente.

Calculando por alto, mas de acordo com o princípio da incerteza de Heisenberg, a receita de martini do pai da bomba atômica leva 16 vezes mais gim que vermute. Se considerarmos que a proporção média da época era 3:1, a soma impressiona. Mas está de acordo com as preferências dos líderes da Segunda Guerra: Roosevelt tomava seu martini a 7:1; já Churchill sequer punha vermute.

Faltava muita coisa na pequena cidade construída em Los Alamos para abrigar os cientistas e suas famílias, menos um saloon, como mostra "Oppenheimer", o excelente filme de Christopher Nolan. De um lado, a fissão dos átomos; de outro, a fissura pelos drinques. Haja matéria etílica para tanta física quântica.

O físico vivido por Cillian Murphy, um dândi sedutor, e sua esposa, a firme e espirituosa Kitty (Emily Blunt) ainda têm o hábito de quebrar taças em momentos de combustão emocional. Melhor fazer os martinis com serenidade, como mostra uma cena em que o casal simpático a ideias de esquerda recebe amigos comunistas. Ali, vemos Oppenheimer mergulhar a borda das taças numa solução de mel e limão, meticulosamente.

Os momentos festivos não escondem a sombra do dilema terrível a que todos estavam submetidos: liberar ou não uma força capaz de destruir o planeta? O perigo de isso acontecer era quase zero. Quase não é zero.

Oppenheimer virou-se contra sua criatura. Era tarde demais. Hiroshima e Nagasaki viraram pó, sob um cogumelo gigantesco, por ordem de Harry Truman, o sucessor de Roosevelt.

O fogo roubado dos deuses é em tudo contrário ao gelo terreno. E o quase zero da probabilidade nefasta também é a temperatura ideal do martini preparado pelo físico. Aqui não há dilema.

OPPENHEIMER'S MARTINI

Ingredientes:

  • 120 ml de gim
  • 7,5 ml de vermute seco

Preparo:
Passe limão e mel na borda da taça martini. Bata os ingredientes com gelo e coe para a taça.

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