"Sou um homem com 50 anos bem bebidos." Assim se definia Mussum, o Mumu da Mangueira, antes o Carlinhos do reco-reco e mil outros apelidos. Não era folclore nem bravata. O ritmista e cantor dos Originais do Samba e comediante dos Trapalhões não bebia da boca para fora.
Gênio da comédia escrachada, ao mesmo tempo ingênua e maliciosa, era cantado em verso e prosa pelas bravuras de balcão. Os anos 1970 e 80, diga-se, levavam a sério esse negócio de beber bem. Aqueles que o faziam, ganhavam distinção, eram aprovados pelo burburinho e boca miúda, tinham passe livre nas mesas de bar e uma certa complacência quando o assunto era o goró fiado.
Mussum cresceu entre o trabalho sólido e a farra líquida e equilibrou bem as duas coisas. Soube o que fazer com o pneu. Ou, como ele conta, numa histórica e histericamente incorreta entrevista para a revista Casseta Popular, em 1991: "Sucesso é igual cachorro correndo atrás de pneu de caminhão. Tu já viu? Corre, corre. Quando o caminhão para no sinal, ele não sabe o que faz com o pneu".
Filosofia de botequim, com muita honris. A conversa com os Casseta, que faria zenials vomitarem, é um empurra-empurra divertido para tirar Mussum do sério e contar o que passarinho não pode saber. "Não complica o homem", diz o saudoso Trapalhão.
Fica claro que era um bebedor mais criterioso do que aquele que entra esbaforido no bar da telinha de TV e pede um metro de mé ou de "água benta que faz a gente esquecer". "Não sou profissional, mas sócio bem anexado", assevera, acendendo um charuto à Groucho Marx.
Um de seus mestres na beberescência premium foi Vinicius, com quem palestrou longamente sobre birita. Isso não o impediu de tomar o maior porre da vida com uma mistura que faria até o diabo engasgar: Crush com licor de anis. Só de pensar nisso dá ressaca. "Todo mundo vê os porris que eu tomo, mas ninguém vê os tombis que eu levo."
Sem bazófia, Mussum não se esquiva de nenhuma pergunta: "Minha vida é um litro abertis". Mas, liso como o peixe que lhe serviu de apelido —dado por Grande Otelo—, ele vai logo avisando: "Epa, aqui é contra mão—!"
O forévis é motivo de muitas risadas no encontro, que aconteceu num bar, evidente. Mussum, que está em cartaz na pele de Aílton Graça, conta que, quando era mecânico, ia para Padre Miguel, comunidade do Rio, tomar sangue. Sangue? Sim, groselha com cachaça, quase um bombeirinho. Era o que dava para pagar na época, antes de virar maioral do samba, com seu carisma tremendo.
Mas não suportava bagaceira com guaraná. "Bebida de duro, né?" Nas andanças pelo mundo com os Originais do Samba, quando topou com Duke Ellington e outros bambas, passou pelo México. Lá tomou pulque, que detestou. Era "abacaxi com cacto", explicou. Espécie de cerveja milenar, o pulque é na verdade um fermentado de agave.
Fosse um quadro dos Trapalhões, ele despejaria a mistura num vaso, assobiandis, e se pirulitava dali. Um dos muitos filhos, dentro e fora do casamento, jura que sua bebida favorita era a cerveja —não essa de maias e astecas, com todo o respeito. Daí surgiu uma boa linha de geladas, nomes que ele daria. Tipo Cacildis e Biritis.
Mas vamos ficar mesmo com mé, para manter a tradição do personagem. Yes, we créu.
GOIABINHA SOUR (receita de Chris Carijó)
60 ml de cachaça envelhecida
30 ml de suco de limão siciliano
30 ml de clara de ovo
2 colheres de bar de goiabada cremosa
Bata os ingredientes e coe duplamente para uma taça coupe previamente gelada. Decore com lances de Angostura.
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