Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Gelo e gim

Between the sheets: conheça o coquetel do prazer

Drinque de preferência da poeta Edna St. Vincent Millay é feito com conhaque e rum

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Como muitos coquetéis no período da Lei Seca nos Estados Unidos, o between the sheets tem origem nebulosa, de acordo com o espírito vigente, de bares clandestinos e goles furtivos. O mais provável é que tenha sido criado no Harry's Bar de Paris e logo exportado para a terra do Cadillac.

Foto de um copo de drinques triangular com a bebida between the sheets, que tem a cor levemente amarelada
Drinque between the sheets é feito com rum, conhaque, licor de laranja e suco de limão siciliano - Reprodução

Isso porque o between the sheets, com o acréscimo de rum, é uma variação do sidecar, prata da casa do mesmo bar de expatriados americanos e franceses curiosos por algo além do vinho. A lógica é que irmãos costumam nascer na mesma casa. Faz sentido, mas não é uma garantia.

Nebulosa também, e muito sedutora, é sua associação com a poeta Edna St. Vincent Millay, uma das estrelas literárias dos loucos anos 1920. Feminista ferrenha e adepta do amor livre, com meninos e meninas, vivendo um casamento feliz e aberto, além de bonita como uma atriz hollywoodiana, Millay seria uma perfeita garota-propaganda dos prazeres contidos no between the sheets, que em português significa "entre lençóis".

Essa é a tese de Mark Bailey, no divertido "Hemingway & Bailey's Bartending Guide"(o Hemingway do título é Edward, o ilustrador, não o Ernest de infinitas libações), livro que elenca os drinques favoritos de 43 escritores da pesada, de James Baldwin a Dorothy Parker.

Uma historinha é contada, a receita é dada, ao que segue-se um trecho original do escritor/a, ligado ao coquetel ou ao nobre ato de beber.

A historinha de Millay é picante e um tanto tola em comparação com a entrega ao amor e à liberdade dos sentidos em seus belos poemas e à sua militância contra os abusos do patriarcado —inclusive sua defesa do aborto, tema tão castigado pela nossa direita evangélica.

Mas vá lá. Numa noite em que escrevia um artigo, Millay buscou inspiração no gim feito em banheira e na companhia ilustre do crítico Edmund Wilson (que a pediria em casamento, sem sucesso) e do poeta John Peale Bishop. O gim caseiro subiu às cabeças e ela pediu aos cavalheiros que a segurassem nos braços e a levassem para a cama.

Instruiu a Wilson que se encarregasse da parte de baixo, ficando Bishop com a de cima. A sugestão de ménage à trois é evidente, e nosso lado que envergonhadamente se delicia com fofocas agradece. Ainda mais se lembrarmos de um verso famoso de Millay: "Minha vela queima dos dois lados".

Outros poemas dela versam sobre a bebida, de formas mais ou menos metafóricas. Como "Segurei frente aos olhos uma taça/E minha visão turva virou graça" ("Renascimento". Essa e as demais traduções são da poeta Bruna Beber, no livro"Poemas, Solilóquios e Sonetos").

Do poema "Banquete", vem: "De cada vinha um golinho/Do primeiro ao último fiz caber/Mas não encontrei um só vinho/Melhor que a vontade de beber". Em "Lete", a benção do esquecimento: "Mais um gole, por favor/Deste rio curador/Que restitui a beleza!"

Tal restituição fez parte também da experiência de Charles Baker, dândi dedicado à coquetelaria. Em seu livro "The Gentleman's Companion", conta que estava em Jerusalém, quando eclodiu uma escaramuça violenta entre árabes e judeus. Conseguiu se refugiar no hotel King David, onde, aflito, tomou pela primeira vez um between the sheets. Poção incapaz, evidente, de fazer esquecer o horror perpétuo da região. Mas capaz de trazer um instante de paz e prazer.

Between the sheets

Ingredientes

  • 22 ml de conhaque
  • 22 ml de rum
  • 22 ml de licor de laranja
  • 15 ml de suco de limão-siciliano

Modo de preparo

  • Bata os ingredientes com gelo e coe para uma taça coupe gelada.
  • Decore com um twist de casca de limão-siciliano.

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