Fui convidado para um almoço com os colunistas, e, como um grande fã de almoços em geral, confirmei imediatamente minha presença. Entretanto, essa atitude sensata foi seguida de um equívoco mortal de acabar indo no dia errado, o que significa que me ausentei do almoço com os colunistas de cultura e me vi, de corpo presente, num almoço com os colunistas de política.

Numa espécie de recepção, antes de nos sentarmos, nitidamente deslocado com minha camisa ostentando manchas do café da manhã em meio a colegas de terno e banho tomado, recorri às mais baixas artimanhas para me fazer parecer ocupado: bebi água obsessivamente e, com os rins já sobrecarregados, fingi mexer no celular. Sem 3G, tive que me contentar em fazer contas aleatoriamente na calculadora, até que todos os recursos se esgotaram e permaneci com olhar fixo num vaso de planta aguardando a convocação para o almoço em si.

Numa refeição, há sempre o refúgio de comer em silêncio sem o constrangimento de não estar fazendo nada. Ninguém vai simplesmente escolher um tema que você não domina e pedir para que todos dissertem sobre. Foi nesse momento que escolheram um tema que eu não domino e pediram para todos dissertássemos sobre. Em sentido horário. O tema, os primeiros (à época) 60 dias do governo Bolsonaro.

Eu afundava na cadeira ouvindo meus “colegas” se expressando, enfáticos e com propriedade, enquanto minha vez fatalmente se aproximava. A única esperança era a de ser poupado, já que na prática eu não deveria estar ali, até que fui anunciado. Eu ainda mastigava um resto de casca de batata (é na casca que está a maior parte dos nutrientes da batata, nunca descarte a casca) quando todos os olhares se voltaram em minha direção. E eu não poderia começar pior. Abri dizendo que na prática eu não deveria estar ali, mas acabou acontecendo por eu não ter comparecido no almoço que deveria. Silêncio. Arrependimento. Nem um barulho de talher. Pensei em estabelecer algum link do humor com a política em tempos de Bolsonaro, mas não disse mais nada. E como todos aparentavam aguardar o desenvolvimento do meu raciocínio, eu encerrei dizendo que meu raciocínio era aquele mesmo e já havia terminado. Risada feminina de nervoso em algum lugar. Voltei a mastigar a casca da batata.