David Wiswell

Escritor, roteirista e comediante americano

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David Wiswell
Descrição de chapéu jornalismo

O noticiário brasileiro está começando a soar como reprise das notícias dos EUA

Como acompanhei a versão americana, posso revelar as semelhanças bizarras e um spoiler do que vem por aí

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Infelizmente, como alguém que ama o Brasil e é cidadão americano, a leitura das notícias recentes vindas do Brasil parece uma reprise do nosso noticiário nos últimos anos. Uma professora de história me disse certa vez: "Se você não conhece sua história, está fadado a repeti-la".

Pensei que ela estivesse ameaçando me reprovar, mas acabei entendendo que estava transmitindo uma mensagem que talvez esteja passando despercebida por todos nós. Tendo acompanhado a versão americana da história, posso lhe revelar as semelhanças bizarras e, quem sabe, com sorte, possamos encerrar com um spoiler positivo do que vem por aí. A história é esta:

Apoiadores de Donald Trump atacam policiais para invadir o Capitólio, em Washington
Apoiadores de Donald Trump atacam policiais para invadir o Capitólio, em Washington - Roberto Schmidt - 6.jan.21/AFP

Movida por desespero e ira, uma população desiludida com a política tradicional elege um líder de extrema direita que descreverei como uma versão bebê de Hitler. Melhor —temos nos EUA uma "cerveja lite", mais fraca. Chamemos o líder eleito de Hitler lite. Não tão potente quanto Hitler, mas sob a influência dele você provavelmente não terá condições de operar máquinas pesadas. Como uma cabine de votação.

As consequências da eleição cimentam uma discórdia crescente entre as duas facções políticas principais, criando tensão entre os habitantes e até mesmo no seio de muitas famílias. Como o álcool de verdade, quando alguém toma Hitler lite demais no Natal criam-se situações incômodas.

Nossos mini-Mussolinis passam a andar por aí tropeçando nas coisas, num estupor de bufonaria cacofônica, infringindo leis, declarando saber mais que a comunidade científica, agredindo sensibilidades de grandes setores da população, atacando a imprensa e se convertendo em objetos de ridículo no palco mundial. Em meio a tanta dúvida sobre sua liderança, o país decide: "Estamos chateados com o sistema, mas precisamos de um adulto!", e, em vez de uma criança, elege um cidadão da terceira idade.

Porque na realidade é melhor que o presidente seja alguém que potencialmente suja as calças literalmente do que figurativamente. Esse revés eleitoral os leva a mergulhar nos estágios do luto, em especial a negação. Mas antes disso vem outro estágio não tão conhecido: comer!, como foi visto numa foto recente de Bolsonaro, na qual o vemos se empanturrando num KFC na Flórida após sua derrota.

É a comparação com Trump que mais me vem à cabeça, tirando gabar-se de realizações fictícias, o que me leva a especular se o pai de Trump não abraçou Bolsonaro quando ele era criança. Assim como venho especulando há tempos se terá sido isso que levou Trump a precisar de tanta atenção e frango frito.

Mas voltemos à negação. Nossos Führers mirins a convertem numa forma de arte. Negação de sua falha como líderes, da eficácia da eleição que perderam e, finalmente, de sua culpa pelos ataques à democracia.

Se você perguntasse a eles se estão em negação, quase certamente negariam isso também. Depois de alimentar a raiva e as dúvidas quanto à eleição que levaram aos ataques ao governo, emitem uma declaração para obscurecer sua responsabilidade e em seguida devoram baldes de frango.

Enquanto isso, o pessoal pelo qual alegam estar lutando se coloca em perigo, atacando mais ainda a democracia que mantém a coesão de nossos países cansados de conflitos, tudo para promover seus próprios objetivos egocêntricos. Nunca deixo de achar engraçado como esses candidatos ditos populistas parecem não sentir nada senão desprezo pela população.

O lado positivo é que a credibilidade deles sai enfraquecida. De vilão da história, respaldado pelo Partido Republicano e pela máquina de propaganda da mídia de direita, Trump agora está começando a ser ignorado por essas duas instituições, como dados científicos revistos por pares.

Os veículos de mídia não estão dando uma plataforma a Trump, e os republicanos pararam de financiar as ações judiciais que se avolumam contra ele. Talvez Trump e Bolsonaro também não tenham entendido o que minha professora quis dizer, e, desconhecendo a história do Hitler real, podem simplesmente chegar aos finais mesquinhos aos quais estão fadados e serem reprovados pela história real.

Tradução de Clara Allain 

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