Deborah Bizarria

Economista pela UFPE, estudou economia comportamental na Warwick University (Reino Unido); evangélica e coordenadora de Políticas Públicas do Livres

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Deborah Bizarria

Por que você passa pano pro Lula?

Lula e Bolsonaro elogiaram autocratas que violam direitos humanos

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Ninguém discorda que a política externa brasileira deve ser pautada pela busca de parcerias comerciais e promover os interesses estratégicos para o Brasil, ainda que com países não democráticos. Mas essa relação deve acontecer de maneira institucional, sem que o presidente apoie ou elogie líderes que infrijam os direitos humanos.

Tanto Lula como Bolsonaro se aproximaram e elogiaram os autocratas que violam os direitos humanos e reprimem a liberdade de seus povos. Lula elogiou recentemente Nicolás Maduro, da Venezuela, também Fidel Castro, de Cuba, e Daniel Ortega, da Nicarágua. Bolsonaro fez elogios a ditadores como Augusto Pinochet, do Chile, Alfredo Stroessner, do Paraguai e descreveu o príncipe da Arabia Saudita Mohammed bin Salman como "quase irmão".

Após cada declaração, observamos os grupos políticos criticando um e relativizando o apoio do outro. Quem é de esquerda tende a defender os apoios de Lula como pragmatismo e acusar os elogios de Bolsonaro como reflexo da falta de compromisso com a democracia. Já quem é de direita tende a defender as atitudes de Bolsonaro e acusar as de Lula. Mas fica a dúvida: por que é tão fácil acusar o outro campo político e tão difícil reconhecer os erros do próprio grupo?

Lula e Nicolás Maduro no Palácio do Planalto - Gabriela Biló - 29.mai.23/Folhapress

Essa discrepância pode ser explicada por uma série de vieses cognitivos, que influenciam nossa percepção da realidade e consequentemente as nossas atitudes. O primeiro viés cognitivo é o viés de confirmação. Ele se refere à tendência das pessoas em focar somente nas informações que confirmam suas crenças existentes. Como confirmado em um estudo de Max Rollwagen e colaboradores, os resultados de seus experimentos mostraram que a confiança na decisão antes do recebimento das informações fazia com que as pessoas amplificassem o peso das evidências confirmatórias e descartassem as evidências contrárias.

Ao lidar com a política, isso significa que os indivíduos são mais propensos a prestar atenção em notícias e artigos que destacam os erros de outros grupos políticos, enquanto ignoram ou minimizam os erros de seu próprio grupo. Essa seleção de informações reforça suas convicções e a ideia de que sua ideologia é superior. Portanto, ao serem confrontadas com os erros cometidos por seu próprio grupo, tendem a negá-los ou a encontrarem justificativas para minimizá-los.

Outro viés cognitivo importante e que pode influenciar nesse fenômeno é o pensamento de grupo. Quando as pessoas fazem parte de um grupo, muitas vezes sentem uma pressão para se conformar às normas e crenças do grupo. Isso pode levar a uma situação em que as pessoas relutam em questionar as decisões do grupo, mesmo sabendo que estão erradas. Tanto o desejo de pertencer quanto o medo de ser rejeitado pelo próprio grupo muitas vezes supera a vontade de confrontar a realidade e admitir os erros. Essa dinâmica pode criar uma cegueira coletiva, onde os indivíduos preferem manter a harmonia dentro do grupo do que enfrentar conflitos internos.

O viés da negatividade também tem um papel nessa dinâmica. Trata-se da tendência de preferir ler informações ou notícias que apresentam aspectos negativos sobre os grupos opostos em vez de informações que apresentam aspectos positivos sobre os próprios grupos políticos. Em uma pesquisa conduzida por Silvia Knobloch-Westerwick e outros autores, verificou-se tanto o viés de confirmação quanto uma presença moderada do viés de negatividade nos participantes. Esse viés de negatividade pode ter implicações significativas para a formação de atitudes políticas. Afinal, como os indivíduos focam nos aspectos negativos de seus opositores, tendem a ter dificuldade em processar informações positivas e a aprender com os próprios erros e os erros do grupo.

Se queremos um debate público mais saudável e produtivo, é necessário reconhecer e buscar superar esses vieses cognitivos. Esse processo passa primeiro por admitir que todos os grupos políticos são compostos por seres humanos falíveis e suscetíveis a erros. Sem esse reconhecimento, toda notícia política vai levar cada um de nós a entrar numa disputa tóxica para apontar o pior no outro e passar pano para o nosso lado, ao invés de defender uma agenda positiva para o país.

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