Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Desigualdades

As eleições de 2022 e o combate às desigualdades no Brasil

Para redemocratizar o país, dignidade e representatividade devem ser palavras de ordem

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Josué Medeiros

É cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS/UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira

Mayra Goulart

É cientista política e professora da UFRJ e do PPGCS/UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral e o Laboratório de Eleições, Partidos e Política Comparada

As eleições de 2022 mostraram um Brasil dividido e polarizado. A vitória de Lula e da frente ampla democrática foi pela margem mais estreita da nossa história. Bolsonaro, apesar de toda a destruição que promoveu, conseguiu uma votação expressiva e assustadora.

O Observatório Político e Eleitoral (Opel) realizou um monitoramento do pleito de 2022 a partir da hipótese de que essa polarização não foi só eleitoral, mas se constitui como uma divisão entre dois projetos: um de reconstituição das instituições democráticas que promovem e garantem os direitos da Constituição de 1988; e outro que defende uma nova ordem política autoritária e conservadora.

O que pesquisamos foi justamente o antagonismo ético-político entre esses pólos, recusando a ideia de polarização simétrica entre eles. Para confirmar a hipótese, monitoramos as candidaturas antirracistas, as candidaturas feministas, a bancada do cocar e as candidaturas dos movimentos sociais como expressão da frente democrática e, em paralelo, monitoramos as fakenews, a bancada da bala, as lideranças
evangélicas conservadoras e os empresários bolsonaristas como expressão da extrema direita.

Concluímos que, eleitoralmente, a polarização na eleição presidencial pautou também o Congresso Nacional e as Assembleias estaduais (com o crescimento da extrema direita e a diminuição da direita tradicional), além das eleições para os governos estaduais, nas quais a quase totalidade dos novos mandatários é ligada a um dos dois polos nacionais.

Isso significa concordar com os alertas de que o bolsonarismo foi derrotado nas urnas, mas segue vivo na sociedade e derrotá-lo levará tempo. Mas, apesar disso, as eleições também trouxeram dois avanços programáticos na agenda de combate às desigualdades que favorecem o projeto democrático: na dimensão econômica, a pauta do direito à dignidade via política de transferência de renda. Na dimensão institucional, a pauta da representatividade via a ocupação de posições de poder por mulheres e negros.

Organizações do movimento antirracista em ato realizado em São Paulo após o assassinato do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, no Rio de Janeiro, em fevereiro deste ano - Mathilde Missioneiro/Folhapress

O avanço na agenda econômica culminou na aprovação, em 21 de dezembro, da Emenda Constitucional que retira do Teto de Gastos a política de transferência de renda. Isso permite que Lula retome o Bolsa Família com os valores do Auxílio Emergencial dado durante a pandemia da Covid-19 e mantidos por Bolsonaro com fins eleitoreiros.

Esse uso criminoso não pode apagar que o benefício de R$ 600 foi uma vitória da sociedade civil contra os R$ 200 propostos por Guedes e Bolsonaro.

É fundamental registrar que ninguém discordou publicamente da necessidade de uma renda básica para os mais pobres, diferente do primeiro governo Lula, quando o Bolsa Família era criticado diariamente na imprensa e no Parlamento. A decisão do ministro Gilmar Mendes de autorizar o pagamento da transferência de renda com base no princípio constitucional do mínimo existencial confirma esse consenso.

Não foi por acaso que Bolsonaro tentou sequestrar essa agenda para o seu projeto autoritário, mas foi derrotado e agora a política de transferência de renda se consolidou como um direito do povo.

Se na questão econômica o bolsonarismo tentou capturar a pauta, na questão democrática a extrema direita organiza a resistência contra o combate às desigualdades políticas a partir da representatividade.

Isso apareceu no parlamento, quando, em 2021, 97 deputados bolsonaristas votaram contra a Emenda Constitucional que aumentou o peso do voto em mulheres e negros na distribuição dos recursos aos partidos políticos.

A reação às investidas bolsonaristas contra as minorias demográficas e não demográficas foi determinante nas eleições, nas segmentações de gênero e raça: de acordo com o Datafolha de 28 de outubro de 2022, Lula levou vantagem de 11% pontos entre as mulheres, de 9% entre pardos e de 26% entre os pretos, todas muito acima do resultado das urnas.

Já Bolsonaro inverteu o resultado entre os homens com 2% de vantagem e entre os brancos com 14%, confirmando que ele representa a branquitude patriarcal refratária à diversidade.

Em suma, tanto os avanços legislativos quanto a expressão eleitoral da diversidade resultam da mobilização dos movimentos feministas e antirracistas na direção de uma democracia que incorpore estruturalmente raça e gênero.

A derrota definitiva do bolsonarismo depende da consolidação desta agenda, que deve ser, com a questão econômica, a tarefa central do governo Lula e da frente democrática. Esse é o programa que de fato pode redemocratizar o Brasil.

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