Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Desigualdades

As desigualdades e o ministério de Lula

Espero que Lula consiga reduzir estruturalmente as desigualdades

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Oded Grajew

Idealizador do Fórum Social Mundial, é presidente emérito do Instituto Ethos e conselheiro do Instituto Cidades Sustentáveis; fundador e ex-presidente da Fundação Abrinq e ex-assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003)

A eleição do Lula para presidente nos enche de grandes esperanças, especialmente depois do pesadelo vivido nos últimos quatro anos.

Lula, Janja, Geraldo Alckmin, Lu Alckmin e representantes da sociedade civil sobem a rampa do Palácio do Planalto em 1°.jan.2023 - Eduardo Anizelli/Folhapress

Esperanças de reconstruir um país mais justo, próspero, democrático, com qualidade de vida para todas e todos. Não por acaso, os países que atingiram esse estágio, essa qualidade de desenvolvimento, são os países que apresentam os menores índices de desigualdade. Todo coletivo humano, para ser bem-sucedido, precisa cultivar relações harmoniosas entre as pessoas. E a injustiça, as desigualdades, causam desarmonia, fomentam os conflitos e são terrenos férteis para regimes autoritários e populistas.

A história da humanidade é cheia de ensinamentos que deveriam nos prevenir sobre as consequências das desigualdades —que, ademais, são imorais e antiéticas.

O Brasil está entre as dez maiores economias do mundo e é um dos campeões de desigualdades, o que as torna ainda mais vergonhosas. Aqui, 5% das pessoas concentram 95% da renda, e 1% possui metade das riquezas. As desigualdades se manifestam em todas as áreas da sociedade brasileira: econômica, financeira, social, etária, ambiental, alimentar, educacional, de saúde, cultural, habitacional, territorial, política e relativa à assistência social, sendo que as desigualdades de raça e gênero são transversais e estruturais.

No Brasil, negros ganham 57% do que ganham os brancos. Pessoas negras representam 54% da população, mas sua participação no grupo dos 10% mais pobres é de 75%, e, no grupo do 1% mais rico, de apenas 17,8%. A porcentagem de brancos com 25 anos ou mais que têm ensino superior completo é de 22,9%, e a de pretos é de apenas 9,3%. A taxa de homicídios de negros é duas vezes e meia superior à de não negros, e a de mulheres negras é 71% superior à de mulheres não negras. E 76,2% das vítimas da atuação das polícias são negras.

As mulheres recebem em média 77,7% do montante auferido pelos homens. Entre diretores e gerentes, as mulheres recebem 61,9% do rendimento dos homens. O percentual é de 63,6% no grupo dos profissionais da ciência e intelectuais. Isso apesar do percentual das mulheres com ensino superior completo ser de 19,4%, contra 15,1% dos homens.

As desigualdades não são obra do destino. Foram construídas ao longo do tempo, principalmente pelos políticos e pelas políticas públicas. São elas que têm o poder de estabelecer regras e valores que, pela escala, impactam toda a sociedade.

Foram políticas públicas que estruturaram as desigualdades e são as políticas públicas que podem reduzir as desigualdades. É por meio de decisões políticas que são montados os orçamentos e destinados os recursos públicos. São decisões políticas que determinam quem vai pagar mais ou menos impostos (no Brasil, ricos pagam proporcionalmente menos impostos que os pobres). São as políticas públicas que determinam os beneficiários dos programas governamentais.

Reduzir as desigualdades significa redistribuir recursos e poder. Os detentores dos recursos e poder, com raras e honrosas exceções, resistem a promover estas mudanças. Redistribuir recursos e poder se faz por meio de políticas públicas. Apesar de a maioria da população brasileira ser de negros e de mulheres (aproximadamente 52%), a grande maioria dos nossos políticos e representantes são homens brancos. As dificuldades que negros e mulheres encontram para ocupar cargos na política explicam a baixa representação destes grupos sociais nas instâncias de tomada de decisão: aproximadamente 32% de negros e 15% de mulheres.

O presidente Lula, quando candidato, prometeu montar um ministério com a cara da sociedade brasileira. Dos 37 ministros, uma é indígena (2%), cinco são negros (13,7%) e 11 são mulheres (29,7%).

Presidente Lula posa com seus ministros no Palácio do Planalto - Eduardo Anizelli - 1°.jan.2023/Folhapress

A grande maioria ainda é de homens brancos, grupo social de maior poder e maiores recursos da sociedade.

No seu discurso de posse, o presidente Lula se comprometeu a priorizar a redução das desigualdades. É claro que, por sensibilidade e vontade política, por liderança e comprometimento do presidente Lula e por pressão da sociedade, poderemos promover importantes reduções nas desigualdades ao longo do novo mandato. Mas certamente um ministério com maior participação de negros e mulheres ajudaria a cumprir essa tarefa.

De novo: não é por acaso que nos países com menores desigualdades e, consequentemente, melhor qualidade de vida, as mulheres são a maioria na representação política e nos ministérios (em diversos desses países, a população negra é muito pequena).

Esperamos e torcemos para que, ao longo do seu mandato, o presidente Lula consiga usar seu poder para reduzir estruturalmente as desigualdades e aumentar a participação de mulheres e de negros no seu ministério e nos cargos mais altos do seu governo.

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