Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Desigualdades

Por que as manifestações pelo clima decolam no Brasil (e não são vistas)

Não é verdade que não haja reação política e reação popular acontecendo no país

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Joice Paixão

Cientista social, fundadora e presidenta da Associação GRIS Espaço Solidário e secretária-executiva da Rede por Adaptação Antirracista

Mariana Belmont

Jornalista, faz parte do conselho da Nuestra América Verde e da Rede por Adaptação Antirracista

Igor Travassos

Porta-voz do Greenpeace Brasil, integrante da Coalizão Negra por Direitos, da Articulação Negra de Pernambuco e da Rede por Adaptação Antirracista

Em artigo recente na Folha de S.Paulo, a escritora Giovana Madalosso questionou por que não são comuns no Brasil as manifestações contra as mudanças climáticas. Ainda que entendamos que abrir uma conversa pública, de autocrítica, sobre o contexto brasileiro seja pertinente, entendemos que existe, sim, um pujante movimento socioambiental no país. Na verdade, enxergamos outros Brasis que são excluídos de espaços hegemônicos tais como a grande mídia e o imaginário de parcela da intelectualidade destas terras.

A afirmação de que "há uma ou outra manifestação" no país e que "as aves daqui não gorjeiam como as de lá" nos remetem a uma dinâmica típica do colonialismo que, como bem pontuou Sueli Carneiro, em diálogo com a tradição dos estudos críticos de Fanon, estabelece "zonas do não-ser": desqualifica aquilo que não é elaborado a partir da branquitude a ponto de desconsiderar sua existência. Ao mesmo tempo, estabelece uma hierarquia perigosa ao colocar o "de lá" europeu como superior ao "daqui" brasileiro.

Tal tipo de dinâmica racista mascara a realidade. Dizer que há poucas manifestações ambientais e climáticas no Brasil é desconsiderar uma série de eventos políticos recentes e impactantes.

Indígenas do Acampamento Terra Livre marcham até o Congresso Nacional, em Brasília, um dos movimentos socioambientais do país
Indígenas do Acampamento Terra Livre marcham até o Congresso Nacional, em Brasília, um dos movimentos socioambientais do país - Gabriela Biló - 24.abr.23/Folhapress

O movimento indígena, por exemplo, realiza desde 2004 o Acampamento Terra Livre, reivindicando a demarcação de terras, o fim do genocídio indígena, a proteção integral dos biomas e também a justiça climática.

No ano passado, na disputa contra o bolsonarismo negacionista e antiambiental, o Ato pela Terra, mobilizado por diversos movimentos sociais e redes de organizações da sociedade civil e convocado por Caetano Veloso, reuniu milhares de pessoas em Brasília demandando o combate ao desmatamento e o retorno das políticas climáticas.

A Marcha das Margaridas, uma manifestação de mulheres trabalhadoras rurais de todo o Brasil, em prol de direitos sociais e contra a violência contra as mulheres do campo e da floresta, e que, a cada quatro anos, reúne milhares de mulheres nas ruas de Brasília, esteve no início de agosto último pautando justiça climática.

A Marcha Nacional em Defesa dos Direitos dos Quilombolas, promovida pela Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), também. E esses são só alguns exemplos.

Outro ponto discutível do texto é dizer que "o brasileiro não vai às ruas devido ao seu caráter conciliatório". No contexto do artigo, é impossível não ler o trecho sem associá-lo com o problemático imaginário da democracia racial. Que brasileiro é esse que é conciliador? O manifesto da Coalizão Negra por Direitos, por exemplo, lembra que grande parte da história do país, majoritariamente negro, é baseada no "legado de resistência, luta, produção de saberes e de vida" do povo negro. Para uma pessoa branca, acessar o Congresso Nacional ou estar em uma Conferência das Partes (COP) pode ser fácil, mas os movimentos populares sempre adotaram como práxis a presença nesses espaços de decisão como instrumento de luta e disputa.

Não é verdade que não haja reação política e reação popular acontecendo no Brasil. Não há um bairro nesse país no qual não exista alguma organização popular liderando iniciativas de ação política no chão de seus territórios, na resistência. Mesmo no bairro mais afastado, mais periférico e pobre, onde o Estado só chega com a polícia armada, há organização da juventude, do movimento negro e de mulheres. Talvez não esteja no formato com o qual alguns estão acostumados, mas essa resistência existe —e ela é socioambiental.

O texto traz uma contribuição ao ressaltar a transversalidade das lutas climáticas: estamos falando de vidas, de direitos, de justiça. Peca, todavia, ao não compreender que essa abordagem já está incrustada há tempos nos movimentos sociais brasileiros e em diversas manifestações, que apenas não são "enxergadas" pela grande mídia, reproduzindo colonialismos climáticos.

Há anos o movimento ambiental organizado chama a atenção para o fato de que as editorias dos principais jornais do Brasil estão atrasadas em reconhecer a crise climática como estrutural. Aproveitamos o momento para reafirmar o chamado.

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