Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Desigualdades
Descrição de chapéu mudança climática

Agenda climática tem de incluir transporte barato, seguro e limpo

Além de contribuir para diminuir emissões, medida reduziria os efeitos da poluição do ar sobre a saúde da população

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Igor Pantoja

Doutor em sociologia, é assessor de mobilização do Instituto Cidades Sustentáveis e da Rede Nossa São Paulo

Vitor Mihessen

Mestre em economia e coordenador executivo da Casa Fluminense

Nossas políticas públicas ainda não foram capazes de reverter a perversa marcha que faz com que as pessoas que menos contribuem para a emissão de gases do efeito estufa e outros gases poluentes sejam exatamente aquelas que mais sofrem com os extremos climáticos. As principais vítimas do calor e frio extremos, assim como das enchentes e outros efeitos das chuvas abundantes, são justamente as pessoas que costumam se deslocar a pé, de bicicleta e em transportes coletivos e sobre trilhos. Não é, portanto, quem usa carro indiscriminadamente, emitindo poluentes, ocupando espaços públicos e produzindo congestionamentos e até atropelamentos, que paga a conta do aquecimento global em sua pele —geralmente branca.

Nos últimos cinco anos, 1,7 milhão de pessoas foram impactadas por desastres ambientais no estado do Rio de Janeiro, seja perdendo sua vida, sua casa ou seus bens, materiais ou imateriais. Foi lá que ocorreram dois terços das mais de 1.700 (!) mortes por desastres ambientais do país na última década, segundo análise realizada pela Casa Fluminense e publicada no Mapa da Desigualdade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Na cidade de São Paulo, mais de 650 mil pessoas vivem em áreas de risco de enchentes ou deslizamentos de terra, de acordo com o IBGE.

Ônibus elétrico no terminal de Santo Amaro, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

Para mitigar o impacto das mudanças climáticas nas metrópoles e reduzir emissões dos gases de efeito estufa e demais poluentes, é necessário adotar medidas de adaptação das casas, dos processos industriais e dos transportes —principal contribuinte para o volume de emissões nas grandes cidades brasileiras. Além de contribuir para o alcance das metas globais de emissão de gases, a fim de impedir o aumento da temperatura do planeta, essas medidas reduziriam os efeitos da poluição do ar sobre a saúde e a mortalidade da população por doenças respiratórias e cardiovasculares. Estudo recente do Instituto Saúde e Sustentabilidade aponta que, somente na cidade de São Paulo, mais de 3.000 mortes anuais seriam evitáveis com a redução da poluição e o aumento da arborização - em um contexto onde a idade média ao morrer é 21 anos menor para quem mora no extremo leste da cidade do que em áreas mais ricas (e arborizadas), de acordo com o Mapa da Desigualdade produzido pela Rede Nossa São Paulo.

É louvável e urgente, por exemplo, a implementação da decisão da Prefeitura de São Paulo que proíbe a compra de novos ônibus com motor a diesel. Sem essa decisão, metas do Plano de Ação Climática, aprovado em 2018, de reduzir as emissões de CO2 em 50% até o ano de 2028, bem como do Plano de Metas 2021-2024, de substituir ao menos 2.600 ônibus até o final do período, não serão cumpridas, ou gerarão maior dispêndio de recursos para sê-lo. O cálculo é simples: se a substituição da frota de ônibus por veículos elétricos for feita em período mais próximo ao prazo final, será necessário substituir ônibus a diesel que ainda estarão em idade útil (ou seja, aptos a rodar pela cidade). Por isso a necessidade de celeridade na substituição destes por veículos elétricos desde já.

No estado do Rio de Janeiro, R$ 1,2 bilhão do erário público foram gastos para reparar danos materiais gerados por desastres ambientais: infraestrutura de ruas, casas, equipamentos públicos. Mas secretarias de meio ambiente e clima só existem nas cidades do Rio de Janeiro e de Niterói, dentre os 92 municípios do estado. Conforme apontado no documento Agenda Rio 2030, elaborado pela Casa Fluminense e sua rede, o estabelecimento de uma secretaria estadual para lidar com a emergência climática é urgente.

Também na esfera federal, passado o período de negacionismo climático, a responsabilidade da União deve ser retomada, estimulando e apoiando estados e municípios no sentido de promover soluções para o transporte público, como o Sistema Único da Mobilidade, o "SUS do Transporte", que segue os preceitos de um transporte barato, bom, seguro e limpo —livre de corrupção, de superlotação e de poluição, sem tarifa, sem assédios, sem mortes, sem emissões.

Se há 20 anos era utópico tratar de passe livre e de ônibus elétricos movidos a bateria, os múltiplos impactos negativos que nosso ultrapassado sistema de ônibus tem gerado para a qualidade de vida da população, na economia e no clima são cada vez mais evidentes e não deixam dúvidas de que dar este salto qualitativo na mobilidade é um imperativo.

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