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A luta das Margaridas

Marcha de mulheres em Brasília defende ampla transformação social no país

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"É melhor morrer na luta do que morrer de fome", disse Margarida Maria Alves. A líder sindical paraibana parecia saber que a sua vida estava em risco. Ainda assim, não abandonou a luta pela defesa dos direitos da classe trabalhadora rural. No dia 12 de agosto de 1983, foi assassinada na porta da sua casa por um pistoleiro a mando de latifundiários.

A história de Margarida não ficou esquecida: 17 anos depois, em agosto de 2000, 20 mil mulheres de todo o país foram para Brasília lutar "contra a fome, a pobreza e a violência sexista", em uma ação em adesão à Marcha Mundial das Mulheres, uma mobilização global lançada naquele ano. A mobilização levou um dos mandantes do crime contra Margarida ao banco dos réus.

Margarida Maria Alves, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, na Paraíba,
Margarida Maria Alves, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, na Paraíba; ela foi assassinada na porta de casa - Reprodução de vídeo - Reprodução de vídeo

Nascia, assim, a Marcha das Margaridas, que ao longo dos seus 23 anos de história tornou-se a maior ação coletiva de mulheres da América Latina. Sob a liderança das trabalhadoras rurais organizadas no sistema confederativo Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), a marcha é realizada em parceria com outros movimentos sociais, feministas, entidades e centrais sindicais e organizações internacionais. Hoje, a marcha representa a solidariedade entre mulheres do campo, da floresta e das águas e traz um projeto emancipatório, que aglutina diversas agendas e se sustenta no tempo, adaptando-se às diferentes conjunturas.

Entre as principais conquistas das Margaridas estão a ampliação da participação da trabalhadora rural nos sindicatos, o acesso ao título da terra no nome das mulheres, antes restrito aos homens, e a construção de políticas públicas, como a de agroecologia e de acesso à crédito e à documentação para a trabalhadora rural.

Nesta terça (15) e quarta-feiras (16), a Marcha das Margaridas acontece pela sétima vez. Com o lema "Pela reconstrução do Brasil e pelo bem viver", mais de 100 mil mulheres deixam suas casas e viajam longas distâncias para se unirem nas ruas de Brasília.

Elas marcham porque sentem os efeitos do aumento da fome que atingiu o Brasil nos últimos anos; porque têm seus territórios ameaçados por garimpeiros, setores do agronegócio e grandes obras de desenvolvimento, que colocam em risco seus modos de vida e o planeta; porque vivenciam no cotidiano a violência e as desigualdades.

Mais do que denunciar essa realidade, as Margaridas querem reconstruir o Brasil. Para isso, propõem como políticas centrais a produção e o acesso a alimentos saudáveis para promoção da soberania alimentar; a agroecologia como alternativa de mitigação e adaptação às mudanças climáticas; a democratização do acesso à terra e aos territórios; a criação de condições para a autonomia e liberdade das mulheres no enfrentamento a todas as formas de violência e desigualdades. Elas exigem também o respeito à democracia e à soberania popular, o fortalecimento das políticas sociais de saúde e educação, a geração de trabalho e renda, a democratização do acesso à internet. Ou seja, apresentam não somente uma pauta específica para as mulheres do campo, da floresta e das águas —o que seria legítimo por si só—, mas um projeto de transformação social amplo.

Com isso, dirigem suas demandas ao Estado ao mesmo tempo em que buscam transformar as relações sociais. Lutam por justiça e pelo fim das desigualdades de gênero, raça, etnia, geração e territoriais. É uma luta que, muitas vezes, começa em casa, quando enfrentam o machismo de seus parceiros. Nos locais de trabalho, onde muitas vezes são menos remuneradas do que homens mesmo executando trabalhos iguais. Na política institucional, na qual prevalece a desigual presença de mulheres em posições de poder no Executivo, Legislativo e Judiciário.

Neste mês, completam-se 40 anos do assassinato de Margarida Alves e ainda testemunhamos nossas lideranças sendo interrompidas. É impossível não lembrar Marielle Franco, vereadora carioca assassinada há cinco anos e cujos mandantes ainda não conhecemos. Suas histórias não foram silenciadas; pelo contrário, semearam mais sede de justiça e transformação nos movimentos de mulheres e nos feminismos diversos que afloram no Brasil.

Em outra frase conhecida, Margarida Alves disse: "Não fujo da luta!". Nesta semana, 100 mil mulheres do campo, da floresta e das águas seguem o legado de Margarida e lutam até que todas sejamos livres.

Mazé Morais
Agricultora familiar, secretária de Mulheres da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e coordenadora nacional da Marcha das Margaridas 2019 e 2023

Marco Antonio Teixeira
Sociólogo e líder do Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça

Eryka Galindo
Socióloga e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça

Renata Motta
Socióloga, professora e líder do Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça

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