Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Distribuição de verba para candidaturas negras vem para transformar

Há ainda muito a ser feito, como vagas para encampar indígenas, sobretudo mulheres

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No último dia 25, o Tribunal Superior Eleitoral definiu que candidaturas negras terão direito à distribuição proporcional e em um patamar mínimo do fundo eleitoral para financiamento de campanha e tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão a partir das eleições de 2022. Atento às intersecções entre raça e gênero e classe, o tribunal também definiu que os recursos legais destinado às mulheres serão divididos entre brancas e negras.

A decisão decorreu de consulta da brilhante deputada federal pelo PT do Rio de Janeiro Benedita da Silva e da organização Educafro, com a articulação de milhares de pessoas pela rede construída pelo Instituto Marielle Franco, Educafro, Coalização Negra por Direitos —que reúne mais de cem organizações dos movimentos negros—​, além do Mulheres Negras Decidem, organização com trabalho dedicado a eleições e mulheres negras.

Vale dizer que, desde 1995, os partidos devem reservar parte de suas candidaturas às mulheres, como também desde 2018, por força de decisão do Supremo Tribunal Federal, a fim de combater o uso de candidaturas laranjas, o tempo de televisão e fundo partidário observa um mínimo legal de 30% às mulheres. Contudo, a universalização da categoria mulher em ambos os processos, legislativo e judiciário, excluiu os grupos sociais que não são hegemônicos, tais como as mulheres negras.

Ilustração de mulher negra com o punho do lado direito fechado e levantado na altura da cabeça
Linoca Souza/Folhapress

Como bem observou o ministro Luís Roberto Barroso em seu belo voto, “a concretização da cota de gênero e da distribuição proporcional de recurso às candidatas mulheres produziu como efeito secundário e indesejável a manutenção do subfinanciamento das candidaturas das mulheres negras e, consequentemente, da sua sub-representação”. “É que, a despeito de se tratar de norma geral e abstrata destinada a beneficiar todas as mulheres na disputa política, diante do racismo estrutural presente (também) nas estruturas partidárias, seu efeito prático foi o de excluir as mulheres negras da fruição dos benefícios da política.”

Trata-se de um avanço formidável, uma conquista coletiva. A conciliação de raça e classe entre partidos de diferentes espectros políticos que exclui candidaturas negras de uma justa concorrência é algo histórico.

Recordo-me de meu pai, Joaquim Ribeiro dos Santos, quando foi candidato a vereador em Santos pelo Partido Comunista, e eu me lembro muito bem de ele ter apenas como cabo eleitoral eu e meus irmãos, quando íamos às feiras entregar santinhos. Embora não tenha tido qualquer apoio de seus “parceiros” de luta brancos, quase entrou, ficou como suplente.

O problema perdurou desde então, valendo lembrar a denúncia do combativo militante do movimento negro Douglas Belchior, candidato nas últimas eleições, das dificuldades enfrentadas no partido.
Douglas também, apesar de tudo, quase entrou. Ficou como suplente. Se tal prática é presente em partidos progressistas, o que dirá em legendas conservadoras e reacionárias.

A imposição da distribuição de verba e tempo para pessoas negras é algo que vem para transformar. À decisão do TSE, soma-se ainda o Projeto de Lei 4.041/2020, proposto por Benedita da Silva e assinado pela bancada do PT, que sistematiza o decidido pelo tribunal na legislação brasileira, como também inclui outros avanços.

Contudo, há ainda muito que avançar. Em primeiro lugar, considerando que a primeira parlamentar federal indígena da história do país foi eleita apenas nas últimas eleições —a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR)—, é interessante debater reserva de financiamento, espaço de rádio e televisão, além de vagas para encampar também as pessoas indígenas, sobretudo as mulheres.

Feminilidade não hegemônica é entender para além da mulher negra, alcançando os povos originários que também foram escravizados e foram populações constituintes de quilombos, além, é claro, de aldeias que até hoje resistem apesar da estrutura secular que nunca selou a paz nessa constante guerra colonial, declarada há mais de 500 anos. A representação de pessoas indígenas faz-se um imperativo num Congresso que, à revelia delas, decide pelo latifúndio e pelo agronegócio, entre outros pontos que são sensíveis às suas existências.

Sabemos dos limites da representação na política, inclusive dos usos desonestos que figuras políticas reacionárias fazem de pessoas negras também reacionárias, instrumentalizando-as para serem a testa de ferro a falarem pelo racismo e contra as pautas dos movimentos negros.

A velha tática racista de usar a pessoa negra como bibelô e capataz para depois descartar no primeiro sinal de inconveniência contrasta, contudo, com a resistência dos descendentes daqueles e daquelas que nunca deixaram de lutar e sonhar pela dignidade do povo negro, em um país que precisa tanto de avanços. Essa vitória é um desses.

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