Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Livro narra vidas de pessoas negras invisibilizadas pela história

Verdadeira aula magna de Brasil, conjunto de retratos busca revalorizar quem foi excluído pelos relatos oficiais

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Nesta semana, participei do lançamento do livro "Uma Nova História, Feita de Histórias: Personalidades Negras Invisibilizadas da História do Brasil", publicado pela parceria entre o Selo Sueli Carneiro, que coordeno, e a editora Jandaíra, comandada por Lizandra Magon.

A publicação contou com o investimento de Maurício Rocha, executivo à frente da Next Soft, que me ligou certo dia em 2020 com essa ideia, e o resultado ficou incrível. A partir de seu apoio, abrimos um edital nas redes sociais para receber trabalhos desenvolvidos por pessoas negras para contar a biografia de pessoas negras de trajetórias inspiradoras, mas que foram invisibilizadas pela história "tradicional".

Para nossa grata surpresa, foram mais de 200 textos recebidos, mostrando a demanda e o potencial de contar a história a partir de novas histórias. Nós três compusemos a comissão avaliadora dos trabalhos enviados e buscamos selecionar 16 trabalhos segundo um critério regional, de ineditismo, entre outros requisitos. Como disse Lizandra, o processo de leitura foi um processo de descoberta e muita emoção.

Ilustração representando pessoas negras
Publicada em 11 de novembro de 2021 - Linoca Souza

Dezesseis histórias de brasileiros e brasileiras negras de vários talentos, pioneirismo e cuja trilha desbravada entregou um mundo melhor às gerações que se sucederam.

O livro é uma aula magna de Brasil. Professora Nirlene "Bebel" Nepomuceno, doutora em história social pela PUC-SP, conta ao Brasil a história de Monsieur De Chocolat, baiano que chegou ao Rio de Janeiro ainda adolescente como João Cândido Ferreira. De Chocolat foi um multitalentoso artista, que cantava, dançava e esteve à frente da Companhia Negra de Revistas, grupo teatral negro surgido em 1926. Escreveu peças, compôs inúmeras canções, montou diversos espetáculos. Invisibilizado pela história oficial, De Chocolat é considerado o "pai do teatro negro brasileiro".

Reinaldo José de Oliveira traz a trajetória de Berenice Kikuchi, grande nome da saúde pública brasileira, responsável pela difusão na formulação de pesquisas, articulação e implementação de políticas públicas no Brasil de diagnóstico e tratamento da anemia falciforme. Essa doença é mais comum entre pessoas negras e, entre as lutas de Berenice, estão a obrigatoriedade do "teste do pezinho", além de serviço especializado. Berenice Kikuchi está viva e atuante na luta pelo direito à saúde da população negra.

No início das trajetórias biografadas, líderes de rebeliões ganham vida no texto de Anna Cristina Almeida, mestranda em história pela FGV-RJ, que escreveu sobre Gregório Luís, líder da Revolta de Santana em Ilhéus, na Bahia. Escravizados eram obrigados a acordar às 5h para realizar orações católicas, seguidas de, pelo menos, 12 horas de trabalho no campo. Trabalhavam em pares e deviam entregar 3.600 canas cortadas. À frente de 300 escravizados africanos e afrodescendentes, o levante assassinou o mestre do açúcar, feitor de alta posição no engenho, e resistiu ao senhor de engenho e à capitania por dois anos até a assinatura de um tratado de paz com reivindicações diversas.

Lucas Ribeiro Campos e Jamile Serra Coutinho, doutorandos em história social pela UFBA, contam a trajetória de Marcolino José Dias, capitão dos zuavos baianos, que foi enviado à Guerra do Paraguai e voltou alforriado a Salvador, onde assumiu intensa vida política, sempre em defesa da população negra escravizada. Com grande prestígio popular, Marcolino liderou da primeira associação civil negra do Brasil, a Sociedade Protetora dos Desvalidos, bem como liderou investidas para resgate de escravizados. A sua vida, como todas as tratadas no livro, valeria um belo filme.

Aderaldo Pereira dos Santos, doutor em Educação pela UFRJ, traz a biografia do educador negro Hemetério José dos Santos (1858-1939), de trajetória de destaque nas letras, tendo sido professor de colégios prestigiados, como o Pedro 2º e o Colégio Militar, tendo fundado, inclusive, uma escola. Na época que viveu, de forte presença das teorias de hierarquização biológica das raças, desenvolveu um "antirracismo político pedagógico", atualíssimo para os dias de hoje.

Já o biografado King Nino Brown colore as páginas com a história da cultura hip-hop em São Paulo a partir da escrita viva e gostosa de ler do professor da Unifesp Daniel Péricles Arruda. Nascido em Garanhuns, Pernambuco, Nino Brown teve uma trajetória de construção. Desde a ditadura militar, quando militava no movimento soul paulistano, passando a Casa de Hip Hop de Diadema, que comandou de 1999 a 2012, ele inspirou jovens negros e negras. Junto a outros pessoas, é considerado como o "pai do hip-hop" no Brasil —uma cultura de resistência e também uma prática de amor e felicidade.

São muitas histórias, e a essa altura do texto, já percebi que não terei a menor condição de introduzir todas. Também não farei menções "en passant" porque é a partir de trajetórias como essa que entendemos o Brasil. Na semana que vem, trarei com vocês as demais biografias. Até lá!

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