Descrição de chapéu A Cor da Desigualdade no Brasil

Política para anemia falciforme, que atinge mais negros, é recente e enfrenta obstáculos

Brasil não sabe quantos têm a doença genética e que tratamento recebem

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São Paulo

Todo mês, Regiane Odilon, 28, vai à farmácia pública da cidade do Rio de Janeiro buscar seis cartelas de hidroxiureia, um medicamento caro fornecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde) para o tratamento de anemia falciforme, doença genética sanguínea que causa severas dores no corpo e afeta especialmente os afrodescendentes.

“Se botar a mão em cima, é uma dor de pontada. Você não aguenta nem ficar em pé”, relata a estudante sobre as crises, que, em seu caso, ocorrem quando a temperatura atmosférica cai.

A situação de brasileiros como Regiane já foi muito pior. Embora os primeiros registros médicos sobre a anemia falciforme datem de 1910, até 2005 o Brasil não tinha uma política de saúde específica para tratar a doença.

“Antes, todo o conhecimento sobre a anemia falciforme não produzia assistência. Essa era a coisa mais forte, mais marcante do racismo na doença”, diz Altair Lira, fundador da Associação Baiana de Pessoas com Doença Falciforme (Abadfal), criada em 2000.

Campanha informa moradores sobre a anemia falciforme em Tulsa, Oklahoma (EUA)
Campanha informa moradores sobre a anemia falciforme em Tulsa, Oklahoma (EUA) - Michael B. Thomas - 19.jun.21/AFP

A demanda do movimento negro pela adoção de uma política pública de atenção à saúde da população negra, incluindo protocolos e recursos para o tratamento da anemia falciforme, foi crucial para mudanças nas últimas décadas.

Um episódio ocorrido no Amapá ilustra a reação da política pública à demanda da sociedade civil.

Em 2010, uma multa por uso indevido de terras foi convertida na construção de um centro para tratar anemia falciforme dentro de um quilombo, posteriormente transferido para o hemocentro de Macapá.

Mas, assim como ocorre com políticas gerais de atenção à saúde dos negros, as ações voltadas ao tratamento da anemia falciforme têm sido marcadas por reveses e obstáculos.

No caso do Amapá, desde 2018 o hemocentro de Macapá, único no estado, não tem o equipamento que realiza exames para checar a velocidade do sangue no cérebro. Por meio de um convênio, os pacientes vinham se deslocando até Fortaleza para esse monitoramento, mas a pandemia passou a dificultar as viagens.

Além disso, entre junho de 2020 e fevereiro de 2021, o estado do Norte não realizou testes do pezinho — que identificam a anemia falciforme e outras doenças nos bebês. A Secretaria de Saúde do Amapá disse à Folha que a interrupção ocorreu por questões administrativas, mas que a situação já foi regularizada.

A pasta, no entanto, não informou à reportagem, até a publicação deste texto, porque não enviou as informações do teste ao Ministério da Saúde nos últimos quatro anos.

A falta de dados é disseminada no país, que não tem um número oficial de portadores da anemia falciforme.

A Sociedade Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular estima que 70 mil brasileiros vivam com a doença. Mas esse número pode ser maior, segundo Fernando Ferreira Costa, hematologista do hemocentro da Unicamp.

"Precisamos fazer um grande estudo para ver quantos pacientes o Brasil tem, onde estão sendo cuidados e qual é o grau de atenção médica que cada lugar pode oferecer”, diz Costa.

Mesmo em estados com mais recursos para o tratamento da anemia falciforme, os pacientes enfrentam dificuldades.

Regiane tem direito aos exames básicos de sangue para monitorar o controle da doença e ao atendimento com um hematologista pelo SUS.

Não consegue, contudo, acesso a especialidades médicas que tratam consequências da doença, como alterações oftalmológicas e no coração e pneumonia. “Eu tenho que pagar exames por fora para levar ao médico.”

Apoio

Esta reportagem faz parte de uma série que resultou do programa Laboratórios de Jornalismo de Soluções da Fundación Gabo e da Solutions Journalism Network, com o apoio da Tinker Foundation, instituições que promovem o uso do jornalismo de soluções na América Latina.

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