Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu África

A metáfora da tentativa de retirar brasileiros do Sudão

Instituições brasileiras também tentam retirar o Brasil da África; e vice-versa

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Acompanhei, na última semana, os problemas enfrentados por brasileiros que residem no Sudão para deixar o país após a deflagração de uma guerra civil neste mês. Ao passo que esta coluna era escrita, segundo reportagem desta Folha, uma servidora do Itamaraty e nove brasileiros —a maioria jogadores de futebol— que estavam na capital, Cartum, conseguiram deixar o país após um cessar-fogo.

Os brasileiros que tentavam sair do país reclamaram de falta de suporte da embaixada, segundo reportagens veiculadas na imprensa. De outro lado, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que a evacuação estava viabilizada junto à Organização das Nações Unidas e países europeus. Ao final, depois de partirem do Sudão rumo ao Egito no ônibus do time de futebol, jogadores e técnicos reiteraram a frustração pela falta de apoio material do Brasil.

Vale dizer que a Embaixada do Brasil no Sudão foi inaugurada em 2006, ao passo que o país africano, o terceiro maior do continente, inaugurou a sua em Brasília em 2004. Contudo, quando a guerra civil foi deflagrada, segundo reportagem veiculada no Fantástico nesse fim de semana, havia apenas uma funcionária na missão diplomática no país. Uma estrutura humana evidentemente insuficiente para atender expectativas de apoio.

Conforme apontam as agências de notícias, a guerra civil opõe forças do Exército a uma força paramilitar. Olhando para trás, o país, por si só, é um cenário de conflitos armados que vêm de muito tempo, por conta de projetos coloniais históricos, que seguem refletindo no presente.

Essa situação é propícia para graves violações de direitos humanos, o que compromete a humanidade. Há alguns anos, na região do Darfur, no oeste do país, atenções internacionais se voltaram para a fome e a destruição provocada por um desses conflitos, que ainda resultou em inúmeras mortes e milhões de refugiados. O cenário de violência é atual e segue produzindo consequências distantes de avaliações políticas e medidas de reparação.

A distância nos mostra que, embora seja uma situação gravíssima, o Sudão, como outros países africanos, não chama a devida atenção. Mesmo se olharmos para o Estado brasileiro, foram feitos comunicados públicos de repúdio ao confronto, de endosso às iniciativas internacionais de busca pela paz, bem como informando sobre as ações do Brasil para a retirada dos brasileiros de Cartum.

Na ilustração, sobre o fundo azul, duas mãos aparecem, uma acima e uma embaixo, elas estão contrapostas, e com as palmas voltadas uma para a outra. Da palma das mãos sai uma planta, que as conecta.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro de 27 de abril de 2023 - Aline Bispo

Porém fica a questão: ainda que essa retirada fosse bem-sucedida, o que não foi, tal medida encerraria a questão para o Brasil?

Nesse sentido, o que gostaria de fazer neste espaço é pensar a insatisfação dos brasileiros que estavam no Sudão no campo concreto, mas também trazer refletir criticamente sobre.

Isso porque penso que a saída pela tangente do Brasil —o país mais negro fora da África— na busca pela paz no continente africano é um fiasco histórico das instituições brasileiras. Tanto prejudicou o que seria uma contribuição diplomática importante como apequenou o país no cenário internacional.

A desvinculação do país com a África possui razões históricas e remonta a uma política oficial de branqueamento da população, que partia de uma premissa de que africanos e seus descendentes representavam o atraso. Mais tarde, conforme se desenvolveu o pensamento social brasileiro, foi posto que vivemos aqui o paraíso racial, de convivência harmônica entre indígenas e descendentes de europeus e africanos.

Nesse sentido, o continente africano, por muito tempo, foi visto de uma perspectiva estereotipada, como cenário de guerra e destruição; a guerra no Sudão, como muitas outras, seria algo lamentável, mas natural, muito distante da nossa realidade, uma tautologia: "É assim mesmo, fazer o quê?".

Localização do Sudão
Localização do Sudão - Reprodução

Os governos progressistas de Lula e Dilma foram responsáveis por uma histórica abertura do país ao continente africano, com a profusão de representações diplomáticas brasileiras, acordos comerciais e tratados internacionais. Na volta de um governo progressista ao poder, espera-se a continuidade dessa política.

Concluo esta reflexão sobre a conturbada tentativa do Brasil de retirar os brasileiros do Sudão como uma metáfora da fracassada tentativa das instituições brasileiras de retirarem o Brasil da África e vice-versa.

O vínculo é indissociável e, como tal, a responsabilidade do Brasil como ator político global demanda uma relevância maior no cenário africano contemporâneo.

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