Descrição de chapéu África

Países resgatam seus cidadãos do Sudão, onde conflito já matou 420 pessoas

EUA, Reino Unido, Jordânia e Índia fazem operações em meio a relatos de funcionários estrangeiros feridos

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São Paulo

Estados Unidos, Reino Unido, Egito, França e Arábia Saudita, entre outros países, resgataram diplomatas e cidadãos no Sudão no sábado (22) e neste domingo (23), enquanto combates entre duas facções militares do país se desenrolavam —o conflito entra em sua segunda semana com mais de 420 pessoas mortas e 3.700 feridas, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde).

Após a operação americana, que removeu quase cem pessoas, Washington suspendeu o funcionamento de sua embaixada. "Essa trágica violência no Sudão já custou a vida de centenas de civis inocentes", afirmou o presidente americano, Joe Biden, pelas redes sociais. "É inescrupuloso e deve parar."

Oficiais da Marinha Saudita ajudam criança em operação de resgate no Sudão
Oficiais da Marinha Saudita ajudam criança em operação de resgate no Sudão - 22.abr.23/Ministério de Defesa da Arábia Saudita via Reuters

À iniciativa de Washington se seguiu uma operação do Reino Unido, que, neste domingo (23), retirou funcionários diplomáticos e seus familiares. "Continuamos buscando todos os caminhos para acabar com o derramamento de sangue no país e garantir a segurança dos britânicos que lá permanecem", afirmou o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, em post no Twitter.

Os atuais choques são fruto das divergências dos antigos aliados Fatah al-Burhan, líder sudanês, e Hemedti, como é conhecido o chefe do grupo paramilitar RSF (Forças de Apoio Rápido, em português).

Juntos, em 2019, eles derrubaram a ditadura de 30 anos de Omar al Bashir e, após um golpe em 2021, passaram a liderar o conselho que supervisionava a transição para um governo civil. A ideia de uma fusão das RSF com o Exército, no entanto, gerou discordâncias que, por fim, mergulharam o Sudão no caos.

Os confrontos acontecem sobretudo na capital Cartum, uma das maiores áreas urbanas da África, e na região de Darfur, a oeste, onde uma guerra em 2003 matou 300 mil pessoas e deslocou outras 2,7 milhões.

A França também resgatou cerca de cem pessoas, incluindo a delegação da União Europeia em Cartum e cidadãos de outras nacionalidades, e outro avião com a mesma capacidade deve partir de lá ainda neste domingo. De acordo com o Exército sudanês, um francês ficou ferido após o comboio de resgate ser atingido pelas RSF —que, por sua vez, atribuíram o ferimento às forças oficiais.

Se confirmado, esse não seria o único caso do tipo —um tiro feriu um membro da missão do Egito, que pediu a seus cidadãos que estiverem fora de Cartum para se dirigirem aos consulados ao norte, e aos que estiverem na capital, para permanecerem em casa até a situação melhorar. O país afirmou ser necessário um resgate "meticuloso, seguro e organizado" para que seus 10 mil cidadãos no Sudão cheguem em casa.

O Exército sudanês também acusou as RSF de atacar e saquear um comboio do Qatar que ia em direção à cidade de Porto Sudão, mas Doha não divulgou nenhuma declaração sobre qualquer incidente.

No sábado, a Arábia Saudita resgatou 91 sauditas e 66 cidadãos de outros países por meio de um navio que atravessou o Mar Vermelho. Coreia do Sul, Jordânia, Turquia, Índia, Tunísia e Japão, entre outras nações, também tentam viabilizar resgates ou enviam aeronaves para operações neste domingo.

O embaixador de Moscou em Cartum afirmou à mídia estatal russa que 140 dos cerca de 300 cidadãos do país no Sudão manifestaram o desejo de partir. Planos de resgate foram feitos, afirmou ele, mas ainda não é possível implementá-los, porque os caminhos de saída cruzariam linhas de combate.

A Itália afirmou que cerca de 140 cidadãos do país seriam retirados na noite deste domingo, junto com 60 pessoas da Suíça, do Vaticano e de outros países europeus. Já a Alemanha disse que um primeiro avião militar pousou em Cartum para transportar cerca de 200 cidadãos, em uma operação que deve demorar.

"Ver os estrangeiros saindo me deixou mal, porque percebo que as operações de alguns desses grupos foram facilitadas pelo Exército e pelas RSF, enquanto nós continuamos sendo atingidos", disse à agência de notícias Reuters Alsadig Alfatih. No domingo, ele conseguiu deixar sua casa pela primeira vez desde o início dos combates e agora pretende ir para o Egito.

Para o pesquisador Hamid Jalafallah, ouvido pela agência de notícias AFP, "pedir [a abertura de] corredores humanitários para transportar os estrangeiros sem ao mesmo tempo pedir o fim da guerra" seria terrível. "Os atores internacionais terão menos peso quando saírem do país. Façam o que puderem para sair com segurança, mas não deixem os sudaneses para trás sem proteção."

A vitória de alguma das facções militares parece distante, e não há sinais de recuo de nenhum dos lados.

Pela primeira vez desde o início dos combates, foi divulgado um vídeo que mostra brevemente Hemedti, chefe das RSF, de farda, numa caminhonete, perto do palácio presidencial de Cartum. Na segunda (17), seu rival, Burhan, disse que estava baseado no quartel-general do Exército, a cerca de 2 km do palácio.

A guerra de informações torna impossível saber quem controla os aeroportos do país e em que condições as instalações se encontram depois de serem danificadas. Segundo a agência de notícias Reuters, porém, soldados das RSF têm muita presença nas ruas e nas pontes da capital, enquanto as tropas do exército estão na vizinha Omdurman. Os bairros, por sua vez, estão praticamente vazios.

Os tiroteios se agravam na capital e nos arredores, segundo relatos à AFP. Aviões de combate sobrevoam a área, enquanto blindados paramilitares avançam. Os sudaneses, em suas casas, temem que o conflito se intensifique após a saída dos estrangeiros, em meio a falta de água e alimentos, além de apagões.

Os hospitais, que sofrem com a escassez de insumos, tampouco são poupados. Ataques já destruíram ou forçaram o fechamento de 72% dos centros de saúde nas zonas de combate, segundo o sindicato dos médicos. Nas ruas, postes estão caídos no chão, enquanto colunas de fumaça saem de lojas incendiadas.

Neste domingo, o papa Francisco pediu diálogo. "Infelizmente, a situação no Sudão continua grave. Por isso, renovo meu apelo para que a violência cesse o mais rapidamente possível e o caminho do diálogo seja retomado", afirmou ele durante sua tradicional oração dominical na Praça de São Pedro, no Vaticano.

Tentativas de cessar-fogo fracassam sucessivamente desde o início do conflito, no dia 15. Ambas as partes afirmaram que interromperiam os combates por três dias a partir de sexta (21), durante o Eid al fitr, feriado que marca o fim do período de jejum do Ramadã. Eles, porém, acusam-se de romper a trégua.

O Programa Mundial de Alimentos da ONU alertou que milhões podem passar fome devido à violência no terceiro maior país da África, onde um terço da população precisa de ajuda. Saqueadores levaram pelo menos dez veículos do órgão depois de invadir os escritórios da agência no sul da região de Nyala.

Durante o conflito, três funcionários do programa foram mortos, o que levou à interrupção das operações do órgão no país. Na sexta, um funcionário da Organização Internacional para as Migrações, outro programa das Nações Unidas, também foi morto em decorrência dos combates.

Com AFP e Reuters

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