Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Uma quarta-feira de Whitney e Fatumma

Dedê Fatumma se divide entre a dor e a delícia de ser uma mulher negra

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Todo 9 de agosto é um dia simbólico. A memória do aniversário de Whitney Houston, ano a ano me deixa reflexiva. Ela foi única, a mais sublime expressão do talento, que acompanhou as noites melancólicas de uma jovem menina caiçara em Santos, que ao ouvi-la tinha certeza da grandeza do mundo.

A minha primeira coluna aqui nesta Folha foi em homenagem a ela. No texto "Desculpe, Whitney", abro meu coração, escancarando todo amor e admiração por essa artista genial e conto como suas músicas me acompanharam em momentos significativos da minha vida. É tamanho o amor que, em minha posse na Academia Paulista de Letras, usei um vestido inspirado em Houston, em um show de 1991.

Interessante notar as representações, baseadas na tradição do candomblé, sobre sua data de nascimento. Ela nasceu no dia 9 e seu Odu, caminho, também é 9, um caminho regido por Iansã, Oyá. Nove é o Odu das mulheres, chamamos de Ossá, que pode ser brisa ou ventania, borboleta ou búfalo, algumas de suas representações.

Whitney nos deixou há anos, mas sua memória segue sendo honrada em produções de filmes e documentários. Assisto a todos e, com o passar do tempo, fui conhecendo mais sua história, a relação com a família e a impossibilidade de viver o amor com outra mulher, Robyn Crawford, sua grande companheira de vida.

Ilustração digital, com a figura de duas mulheres negras. Uma abraça a outra por trás, uma tem os cabelos loiros e usa um vestido vermelho, a outra tem cabelos vermelhos e usa uma blusa regata amarela e calça marrom.
Ilustração de Aline Bispo para coluna Djamila Ribeiro de 10.ago.2023 - Aline Bispo

Sua família não admitia e, caso o amor viesse a público, as pessoas deixariam de comprar seus discos e a mídia faria o espetáculo que acabaria com sua imagem. Impedida de amar e ser amada publicamente, a história de Whitney nos ensina muito.

Como afirma Dedê Fatumma, em seu livro recém-publicado "Lesbiandade" (Editora Jandaíra/Coleção Feminismos Plurais), "a saída do armário não se reduz à sexualidade. Além de ser um ato de coragem, rebeldia e fortalecimento de identidade na sociedade, foi importante para me afirmar dentro do meu lar. Eu precisei assumir uma postura rígida num simples café da manhã a fim de evitar que eu e minha companheira aceitássemos o gole amargo do constrangimento, expressão fechada do rosto de mainha, o silêncio do meu pai e o olhar julgador do meu irmão".

Nessa mesma quarta-feira, fui ao Espaço Feminismos Plurais para presenciar uma noite de celebração da identidade lésbica. Foi o lançamento do livro de Fatumma, que é mestra em estudos de gênero e feminismos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), percussionista e assistente social.

A autora afirma que se divide entre a dor e a delícia de ser uma mulher negra, dissidente sexual, periférica, nordestina para assumir o que é ser uma sapatão negra. Fatumma já havia feito um sucesso na Casa da Mulher com a Palavra, na sua cidade natal, no último mês, quando seu livro esteve entre os dez mais vendidos e centenas de pessoas prestigiaram seu evento.

Mas esta semana era a vez de São Paulo. O espaço foi lotando aos poucos, debaixo de chuva, até que ficou com casa cheia para assistir à entrada de Fatumma, que começou sua apresentação com um toque de atabaque para a dança de Tainara Cerqueira e o canto de Ive Farias em homenagem à Oyá. Registra-se, ainda, a presença de grandes cantoras da cena brasileira, como Luedji Luna e Nara Couto.

Cantando para a Orixá das tempestades, aquela que detém o poder de proteção às mulheres e a habilidade de cuspir bolas fogo, Cerqueira esvoaçava seu vestido vermelho e esquentava a noite até a energia do espaço chegar às alturas.

Foi a deixa para Fatumma começar a apresentação da sua obra, resumindo cada capítulo. Da sua subjetividade e trajetória, a autora passou a se conectar com as pessoas que estavam presentes, a maioria mulheres lésbicas, expondo as experiências em comum que o grupo social passa, como o silenciamento, a repressão causada pela lesbofobia, desde o sofrimento mental até os constrangimentos mais variados, coisas que parecem banais aos olhos de quem vive a heterossexualidade, como, por exemplo, andar de mão dada na rua.

Encantado pela música e pelas referências teóricas de Audre Lorde, Heliana Hemetério, Patricia Hill Collins, entre tantas outras, honrando a subversão, a semântica e as referências lésbicas, o livro de Fatumma nasce como um farol de luz e resistência. E, onde quer que esteja, a aniversariante do dia foi honrada.

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