O executivo da indústria automotiva conversa com o político sobre um programa de renovação da frota de veículos no Brasil. O papo flui bem até que um assunto importante para o projeto é abordado: vistoria regular.
Após um muxoxo, o representante do povo diz que não quer abordar esse tema.
O diálogo real mostra uma das faces do problema. Além de todos os entraves burocráticos, tirar carros e caminhões velhos, inseguros e poluidores das ruas depende também de políticos maduros e com visão que vá além do próximo pleito.
A Anfavea (associação das montadoras) volta a abordar o assunto no momento em que pede a postergação de regras ambientais mais rígidas. A próxima etapa do Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores), prevista para 2022, só deve entrar em vigor daqui a cinco anos, em 2025.
É uma ideia ruim na essência, pois afeta a qualidade de vida nas grandes cidades e abala a já corroída imagem das montadoras. Entretanto, é preciso entender os motivos da proposta em meio à perda de receita causada pela pandemia.
As empresas não podem simplesmente importar uma solução pronta e aplicar em seus veículos para reduzir as emissões. É preciso gastar muitas horas de engenharia e rodar centenas de milhares de quilômetros no processo, além de desenvolver os minilaboratórios que vão a bordo dos carros em teste.
Todo o processo entra na conta de nacionalização e evolução tecnológica dos produtos, que reduz custos e permite acessar benefícios fiscais. O investimento é alto, mas ainda é melhor do que importar.
Se houvesse um plano de renovação de frota bom o suficiente para estimular a troca de um veículo em mau estado por um mais novo, mesmo que usado, não haveria necessidade de lutar pelo atraso, com ou sem pandemia. A roda iria continuar a girar.
Não se trata de atingir veículos antigos colecionáveis, perfeitamente conservados e pouco usados. A questão envolve carros mal cuidados que circulam diariamente, tendo ao volante donos dispostos a aposentá-los caso surja um estímulo.
O efeito das legislações ambientais seria ainda mais efetivo, com a maior presença de modelos atualizados nas ruas, capazes de consumir combustível renovável.
Vale lembrar que os carros vendidos entre os anos 1990 e a primeira década do século 21 eram movidos por gasolina ou diesel. Ainda não havia a massificação do carro flex, e veículos a etanol eram coisa raríssima.
Não existe solução simples. Um programa de bom nível envolve todos os entes governamentais, Detrans, empresas responsáveis pela reciclagem dos veículos velhos, bancos dispostos a conceder crédito. É um campo próspero para gente de má-fé, daí a necessidade dos mecanismos de controle.
O processo vai precisar de menos burocracia e de perdão de dívidas. Há muitos carros em circulação cujo valor não cobre nem metade do IPVA que ficou para trás.
E também serão necessários legisladores sem medo de falar em temas antipáticos em um primeiro momento, mas que trarão benefícios ambientais e sociais em médio prazo, incluindo a geração de empregos.
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