Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Elio Gaspari

O PT nada aprendeu, nada esqueceu

Lula, Haddad e o comissariado vêm com um projeto que resultará num regime plebiscitário, com os métodos do mensalão

​A repórter Marina Dias mostrou um pedaço do programa de 36 páginas do PT. Como se sabia, lá está a proposta para convocar um plebiscito para revogar iniciativas do governo de Michel Temer (só?). O recurso à consulta direta depois de uma eleição majoritária é golpismo e na Venezuela deu no que deu.

Outras propostas petistas dividem-se em três categorias. A transformação do Supremo Tribunal em Corte Constitucional está na mesa. Outras, como o estabelecimento de mandatos para demais cortes superiores, são más ideias. Já a participação de servidores na eleição dos órgãos de gestão dos tribunais é uma girafona.

Coisas como o fim das férias de dois meses e do auxílio-moradia são arroz de festa, pois os penduricalhos agonizam. Parolagens em torno de ampliação dos poderes da "sociedade civil organizada" ou criação de "comissões de alto nível" são apenas parolagens.

Nessa amostra da plataforma petista vê-se que os comissários resolveram limpar o porão, trazendo de volta projetos repetidamente rejeitados pelo Congresso. É o caso do financiamento público das campanhas e o voto de lista.

Debulhando-se o aperitivo, percebe-se que diversas propostas dependem da aprovação de emendas constitucionais. É aí que a porca torce o rabo. Com que maioria o comissariado pretende aprová-las? Sua bancada será insuficiente, portanto, pretendem buscar os votos com aquilo que vem sendo chamado de centrão.

Como? Com os métodos que entre 2003 e 2004 acabaram no escândalo do mensalão. Nesse jogo reinava Valdemar Costa Neto, que foi para a cadeia, vestiu tornozeleira e foi indultado. Ele voltou a operar para Michel Temer e hoje está aninhado na coligação de Geraldo Alckmin.

Como os Bourbons que voltaram a reinar na França depois do colapso da revolução, o PT nada aprendeu, nada esqueceu.

 

Moro deveria ajudar Mateus, sua vítima

Durante o debate patrocinado pelo O Estado de S. Paulo, o juiz Sergio Moro colocou-se numa posição salomônica entre o promotor Marcelo Mendroni, com sua visão punitiva, e o criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, na defesa (hoje impopular) dos acusados.

Mendroni defendia o recurso às prisões preventivas "desde logo", pois a "prisão faz com que cesse a prática do crime". Mariz argumentou: "Como o senhor vai descobrir logo no início das investigações se alguém é culpado ou se é inocente se ele não se defendeu?".

O clima esquentou e, mais adiante, Moro expôs sua posição:

"Se for preso preventivamente e absolvido, deveria ser indenizado."

Nessa breve opinião pode-se ver a distância que separa a mesa do juiz da Vara de Curitiba do palco de um debate público. Uma proposta de indenização para pessoa que foi presa preventivamente sem motivo justo reprovaria qualquer vestibulando de Direito.

No caso do salomonismo de Moro, pode-se deixar de lado a simpática proposta das indenizações para tomar um caso real, acontecido na sua vara.

No dia 14 de novembro de 2014 o doutor autorizou a prisão do diretor financeiro da empreiteira OAS, Mateus Coutinho de Sá, de 36 anos. Ele ralou seis meses de tranca até que foi mandado a prisão domiciliar pelo Supremo Tribunal Federal. Em agosto de 2015 Moro considerou que estava diante de "prova robusta" e condenou-o a 11 anos de cadeia por corrupção e lavagem de dinheiro.

Coutinho de Sá perdeu o emprego e o casamento, no qual tinha uma filha pequena.

Em novembro de 2016 ele foi absolvido pelo voto unânime da 8ª Turma do TRF-4.

Se o que Moro disse no auditório do Estadão é para valer, ele bem que poderia ajudar sua vítima a receber uma indenização. De quem? Da Viúva.

 

Lula proscrito

Na quinta-feira (26), 29 congressistas americanos divulgaram uma carta-manifesto defendendo a participação de Lula na eleição de outubro e denunciando sua condenação num julgamento que classificaram como "altamente questionável".

Puseram o rótulo de "extrema direita" no governo de Michel Temer e disseram que "a luta contra a corrupção não deve ser usada para justificar a perseguição de opositores políticos ou negar-lhes o direito de participar livremente das eleições".

Uma assinatura dá relevo ao protesto. É a do senador Bernie Sanders, ex-candidato à presidência na disputa pela indicação do partido Democrata e quindim da esquerda liberal dos Estados Unidos.

A carta expõe um problema insolúvel que, mesmo sendo insolúvel, não diminui de tamanho. Lula foi condenado em duas instâncias por corrupção, mas o manifesto mostra que sua proscrição tisna a eleição de outubro. Na cabeça de muita gente, sobretudo fora do Brasil, é um contrassenso o banimento de um candidato que, mesmo preso, tem um terço das preferências expressas numa pesquisa.

Poucos americanos devem lembrar, mas a eleição que levou Thomas Jefferson para a Casa Branca em 1801 foi decidida pelo voto de um deputado que havia sido reeleito quando estava na cadeia por crime de opinião.

Ele se chamava Matthew Lyon e, tendo cumprido a sentença, assumiu sua cadeira. A disputa pela Presidência foi decidida numa cabala do colégio eleitoral e Lyon reverteu o voto do seu estado, garantindo a vitória de Jefferson.

O PT e Lula

São muitos os comissários petistas inquietos com a trava que Lula impôs ao partido recusando-se a aceitar um Plano B para a eleição.

A trava atrapalha os projetos individuais de petistas que precisam costurar alianças em seus estados.

O que os comissários parecem não ter percebido é que desde o século passado, quando criou o PT, Lula pensa primeiro nele. Depois, novamente nele.

Se o Poste perder a eleição, Lula continuará como vítima. Se ganhar, a vitória terá sido dele, e de mais ninguém.

Toffoli no STF

A partir de setembro, com a ida do ministro Dias Toffoli para a presidência do Supremo, o combate ao crime organizado ganhará destaque na pauta do Judiciário.

Ele tem bom conhecimento (e espanto) dos mecanismos de funcionamento das organizações criminosas

Com que resultados? A ver.

Falou demais

No início do mês, quando Andrés Manuel López Obrador elegeu-se presidente do México, Michel Temer telefonou para ele, congratulou-o e depois revelou:

"Combinamos de nos encontrar em Puerto Vallarta, no México, na cúpula Mercosul-Aliança do Pacífico."

Obrador disse que ia, mas não apareceu.

Temer lustrou o ocaso da presidência de Enrique Peña Nieto, que vai para casa em novembro carregando impopularidade e má fama.

Recordar é viver

Diante das idas e vindas dos partidos que negociam seus minutos de televisão, um cinéfilo relembra uma frase do ator mexicano Cantinflas antes de começar uma partida de dominó:

"Señores, vamos a pelear como caballeros o como lo que somos?"

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