Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Descrição de chapéu ataque à democracia

Quem prende deve pensar na hora de soltar

Quem estava no acampamento pedindo golpe de Estado não pode ser suspeito de ter praticado vandalismo nas sedes dos três Poderes

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Desde domingo (8) foram presas pelo menos 1.800 pessoas em Brasília. Delas, umas 1.300 estavam no acampamento golpista diante do quartel-general do Exército. Cerca de 500 foram detidas na cena das invasões do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal e do Congresso. Muitos dos que foram presos no acampamento haviam participado das invasões e retornaram à noite.

Apesar da superposição, os dois grupos são distintos. Quem estava no acampamento pedindo um golpe de Estado não pode ser suspeito de ter praticado ato de vandalismo nas sedes dos três Poderes da República. São dois comportamentos reprováveis, porém distintos.

Soldados do exército desmontam e retiram objetos do acampamento bolsonarista em frente ao QG do Exército, após a prisão dos manifestantes golpistas que lá estavam desde o resultado do segundo turno das eleições - Pedro Ladeira - 9.jan.23/Folhapress

O bem-aventurado arrastão de Brasília foi o maior da história nacional. Superou dois outros, o do congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes, em Ibiúna (1968), e o da PUC de São Paulo (1977), onde jovens comemoravam a refundação da UNE (União Nacional dos Estudantes).

Quem prende deve pensar em soltar aqueles que não constituem uma ameaça imediata à sociedade.

Os arrastões de 1968 e 1977 deram-se durante a ditadura. Em Ibiúna, foram presos cerca de 1.240 jovens. Na PUC, cerca de mil.

Seis dias depois do arrastão de Ibiúna, quase todos os detidos haviam sido identificados e soltos. Continuaram presos menos de 20 jovens, contra os quais havia mandados de prisão preventiva. Na PUC de São Paulo, depois de três dias todos os presos estavam soltos, depois de terem sido identificados. Dezenas responderam a processos.

Em 1968, antes do arrastão, grupos terroristas de direita haviam praticado seis sequestros e mais de 30 atentados com bombas, sem vítimas. Nesse mesmo período, o surto terrorista de esquerda contabilizava uma dezena de assaltos e seis mortos, entre os quais um major do Exército alemão confundido com um capitão boliviano. Em 1977, não existia mais terrorismo de esquerda.

No arrastão de 2023, aconteceram episódios inquietantes. Num regime democrático ameaçado por golpistas, manifestantes de Brasília, irresponsavelmente, levaram crianças para o acampamento. Segundo o Conselho Tutelar do Distrito Federal, às 15h de segunda-feira (9), foram atendidas 20 famílias detidas com 23 crianças ou adolescentes menores de idade. Isso significa que eles ficaram detidos por cerca de 24 horas. Precisava? Quem sabe prender precisa saber soltar. Os menores poderiam ter sido entregues a familiares em questão de horas.

Na tarde de sexta-feira (13), centenas de pessoas continuavam detidas em Brasília. Não se sabe quantas foram apanhadas no acampamento e quantas estavam nas depredações na praça dos Três Poderes. Nos arrastões de 1968 e de 1977, seis noites depois, continuavam presas menos de dez.

Aqueles que invadiram prédios, cometeram um crime específico e sofrem a pena da lentidão burocrática. Os do acampamento, a maioria entre os detidos, poderiam ter sido libertados há dias, logo depois da devida identificação e tomada de depoimento.

A burocracia das prisões explica a demora pelo cumprimento dos trâmites que incluem a tomada de depoimentos e a realização de audiências de custódia. Tudo bem, mas em outubro de 1968 (antes do AI-5) e em 1977 (às vésperas da demissão do ministro do Exército Sílvio Frota), a ditadura soltava os presos de seus arrastões com maior celeridade.

Se quem prendeu não dispunha dos meios para soltar, o problema é de quem prendeu.

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