Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Jimmy Carter quer morrer em casa

A democracia brasileira lhe deve muito

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Aos 98 anos, o ex-presidente americano Jimmy Carter (1977-1981) resolveu morrer no rancho onde sua família plantava amendoim. Deixou o hospital e recebe apenas cuidados paliativos. Como George Bush 1 (1989-1993) e Donald Trump (2017-2021), Carter perdeu a reeleição e esse fracasso marcou-o. Apesar disso, foi um presidente que recolocou os valores democráticos na agenda da política externa americana. A redemocratização brasileira deve-lhe muito.

Numa trapaça dos tempos, são muitas as cidades brasileiras com avenidas John Kennedy. Ele irradiava juventude, foi assassinado e tornou-se um ícone. Para o Brasil, foi um arquiteto subsidiário da deposição de João Goulart. Em março de 1964, quando o presidente Lyndon Johnson mobilizou uma força naval para um eventual socorro aos militares revoltosos, ele apenas seguiu um roteiro deixado por Kennedy.

O ex-presidente dos EUA Jimmy Carter durante evento em Jerusalém
O ex-presidente dos EUA Jimmy Carter durante evento em Jerusalém - Thomas Coex - 2.mar.15/AFP

A ditadura brasileira teve nos presidentes Johnson (1963-1969) e Richard Nixon (1969-1974) dois aliados de fé. Em dezembro de 1971, quando o general Emílio Garrastazu Médici foi a Washington, Nixon foi profético: "Nós sabemos que, para onde for o Brasil, irá o continente latino-americano". Em 1973 foram à breca os regimes democráticos do Uruguai e do Chile. Em 1976 foi a vez da Argentina.

Jimmy Carter era um inexpressivo governador da Geórgia. Elegeu-se defendendo os valores da democracia americana, abalada pelos escândalos de Richard Nixon. Durante a campanha, com uma breve referência ao Brasil, ele anunciou que daria prioridade aos direitos humanos na sua diplomacia. Provocou algum nervosismo, mas parecia coisa de candidato. (Tomou uma carta desaforada do ex- adido militar americano em Brasília.)

Eleito, encrencou com o Acordo Nuclear que o Brasil havia assinado com a Alemanha. Na sua delegação nas Nações Unidas foi incluído um professor que havia sido expulso do Brasil. Pior: Um general brasileiro que servia em Washington informava que o novo embaixador na ONU era Andrew Young, "negro". Outro general temia "uma infiltração de elementos comunistas, ou pelo menos esquerdistas, nas altas esferas do governo".

Estabeleceu-se um clima de cordial antipatia entre o governo de Carter e o do general Ernesto Geisel. Um relatório sobre a violência política no Brasil abriu uma crise com os Estados Unidos, e Geisel rompeu o acordo de cooperação militar com Washington.

Em 1977, Carter mandou sua mulher, Rosalynn, ao Brasil. Ela teve dois encontros com Geisel (incluindo um breve bate-boca). Além disso, entrevistou-se publicamente com dois missionários americanos que viviam entre os pobres do Recife e haviam sido maltratados pela polícia.

Carter nunca subiu o tom no clima de cordial antipatia. Veio ao Brasil como presidente, reuniu-se com Geisel e, no dia seguinte, encontrou-se no Rio com representantes da sociedade civil. Entre eles, o presidente da OAB, Raymundo Faoro, e o cardeal de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns. Malandramente, pediu a d. Paulo que o acompanhasse no carro até ao aeroporto.

(Geisel não perdoou Carter por ter mandado a mulher e, anos depois, quando ambos estavam fora do poder, recusou-se a recebê-lo e não o atendeu ao telefone quando ele ligou.)

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