Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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STF dirá a pena de Collor

A sentença poderá refletir a balbúrdia do Judiciário

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Aos 73 anos, o ex-presidente e ex-senador Fernando Collor poderá ser condenado a uma pena de algo entre sete e nove anos de cadeia em regime fechado, com direito a alguns recursos. Se dependesse do ministro Edson Fachin, seriam 33 anos, dez meses e dez dias. Nessa conta, Collor seria libertado com 107 anos.

Desde a semana passada, quando o tribunal condenou-o por malfeitorias praticadas como senador, entre 2010 e 2014, calcula-se a dosimetria da pena. Esse caso nada tem a ver com o período em que Collor ocupou a Presidência e dela afastou-se em 1992. Esse processo, onde se detalhava o aparelho corrupto de seu governo, foi mandado ao arquivo pelo mesmo Supremo Tribunal.

O ex-presidente Fernando Collor (PTB)
O ex-presidente Fernando Collor (PTB) - Roque de Sá - 4.mai.22/Agência Senado

Decisão judicial não se discute, mas balbúrdia não se entende. As acusações contra Collor vieram da falecida Operação Lava Jato, com suas delações premiadas. Passaram-se os anos, um cidadão folheia o jornal e, nas páginas pares, a turma do juiz Sergio Moro é ré. O então procurador Deltan Dallagnol perdeu o mandato de deputado federal. Nas ímpares, é símbolo do combate à corrupção, permitindo a condenação de Collor. Votando pela absolvição do ex-senador, o ministro Gilmar Mendes recusou-se a sentenciá-lo porque as acusações vieram de delatores, inclusive de delinquentes confessos.

O Supremo Tribunal que arquivou o processo da máquina de roubalheiras de um presidente da República, pode mandá-lo para a cadeia por crimes cometidos no exercício do mandato de senador. Se não tivesse tomado a primeira decisão, a segunda malfeitoria nunca teria acontecido. Isso num país que viu um ex-presidente ser encarcerado pela Justiça e, anos depois, exonerado, foi recolocado no poder pela vontade popular. Num sinal dos tempos, Cristiano Zanin, o valente advogado de Lula ao tempo em que a Lava Jato tratava-o como pano de chão, é favorito para o preenchimento de uma vaga no Supremo.

A balbúrdia do Judiciário reflete uma certa perplexidade do andar de cima nacional com as malfeitorias de seus confrades. Enquanto milhares de brasileiros pobres mofam na cadeia por delitos menores, os maganos são afagados enquanto têm algum poder e apedrejados quando voltam ao chão. Collor tornou-se exemplo desse declínio. Como senador, votou pelo impedimento da presidente Dilma Rousseff e posteriormente aninhou-se no bolsonarismo.

Há mais de meio século o economista sueco Gunnar Myrdal escreveu que os mecanismos de controle dos governos, quando não funcionam, podem provocar um aumento da corrupção: "Novas leis, quando não são aplicadas, podem estimular o cinismo". Myrdal escreveu isso pensando em países da Ásia.

Com seu melancólico desfecho, a Operação Lava Jato envenenou por muitos anos o combate à corrupção no Brasil, o que também não é novidade porque, em 1960 Jânio Quadros elegeu-se cavalgando uma vassoura e, muitos anos depois, debilitado, foi levado à Suíça para localizar o banco onde havia deixado sua poupança.

A astúcia do andar de cima nacional produziu situações que embaralham o raciocínio de Myrdal. Os mecanismos de controle não funcionam, mas dão um jeito para mostrar que funcionaram.

Collor caiu nessa máquina de moer quem perde o poder.

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