Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Elio Gaspari

As fábricas de crises de vapor

Elas aparecem, criam tensão e somem

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Lula vai para o final do seu primeiro ano de governo favorecido por crises que produzem apenas vapor. Os melhores exemplos desse fenômeno estão em três episódios distintos.

O primeiro apareceu nas primeiras semanas de janeiro, quando começaram os ataques despropositados do governo contra o Banco Central. Por pouco não descambaram para insultos pessoais contra o presidente do BC, Roberto Campos Neto. Quando a grita começou, os juros estavam em 13,75% ao ano. Passaram-se dez meses, eles estão em 12,25%, sem barulho algum. A zanga tinha muito teatro e pouca convicção.

Lula durante cerimônia no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 24.nov.23/Folhapress

Outro é o caso das joias sauditas. Ele vem do governo Bolsonaro, reaparece, esquenta o clima e some até sua próxima aparição. Há dias veio a informação de que o governo americano colabora na investigação. Desde o início sabe-se que Bolsonaro embolsou joias e relógios da Viúva.

O terceiro caso é mais complexo. Trata-se da dificuldade numérica e constitucional que obriga o Planalto a negociar com a Câmara dos Deputados, onde o doutor Arthur Lira controla seu poderoso bloco. Desde janeiro, a cada mês aparecem notícias de operações esquisitas envolvendo-o. Elas surgem, somem e voltam. Além disso, a cada desentendimento vem a ameaça de que Lira trancará a pauta de seu latifúndio. A cada dois meses toca-se esse realejo. Nisso, o essencial vai para o fundo da cena. A fritura da presidente da Caixa Econômica foi percebida em junho. Quando ela caiu, em outubro, pareceu consequência da lei da gravidade.

A zanga com os juros e as recaídas com o caso das joias foram trovões. A entrega da Caixa foi um raio que caiu em cima de um dos maiores bancos do país.

A bola da vez é a forma que adquiriu a disputa entre o Senado e o Supremo Tribunal Federal. O governo e Lula estão tecnicamente fora desse ringue. O Senado aprovou uma emenda constitucional que limita os poderes monocráticos dos ministros do STF. Do Supremo vieram brados de que lá não há covardes. Quem falou nisso? Em seguida, surgiram rumores de que, no tribunal, alguém falou em "fim da lua de mel" com o Planalto. Piorou.

Até as vidraças do STF sabem que a PEC do Senado precisa passar pela Câmara, onde está o filtro de Arthur Lira. O que poderia ser um debate produtivo foi transformado em vaporoso bate-boca.

Essa distorção está no código genético de alguns ministros do Supremo, encantados com a própria projeção. Prova disso é que nenhum deles reclama quando se diz que fulano ou sicrano foi para tal vaga porque tinha o ministro A ou B como padrinho. Deputados e senadores convivem com projeções e palanques. Magistrados podem evitá-las.

Todas as tensões surgidas no primeiro ano de Lula cabem numa só passagem de Bolsonaro pelo cercadinho do Alvorada. Depois de quatro anos de provocações, Lula fechará o ano com o mérito de ter distendido as relações políticas.

Mesmo assim, o capitão reformado parece ter deixado algo do seu estilo no entorno do Planalto e na sensibilidade do Judiciário. As crises inúteis são apenas inúteis e servem, quando muito, para soprar as vaidades de quem se mete nelas.

Erramos: o texto foi alterado

A palavra sicrano foi grafada incorretamente como cicrano em versão anterior deste texto.

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