Érica Fraga

Repórter especial, ganhou o prêmio Esso em 2013. É mestre em política econômica internacional pela Universidade de Warwick (Inglaterra).

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Érica Fraga
Descrição de chapéu greve dos caminhoneiros

Número de motoristas de caminhão com ensino superior quadruplicou

Fatia de profissionais qualificados em funções pouco sofisticadas cresce no país

Não é novidade que o boom do emprego vivido pelo Brasil antes da última recessão foi puxado pela geração de vagas de baixa qualificação.

Muito menos discutido  —mas igualmente preocupante— é o fato de que uma fatia crescente desses empregos pouco sofisticados está sendo desempenhada por trabalhadores que investiram anos em sua formação, certamente esperando um melhor lugar ao sol.

Embora já tenha feito uma reportagem sobre este tema para a Folha em 2016, com minha colega Mariana Carneiro, me espantei ao deparar novamente com números que escancaram essa tendência, ao tentar entender a situação dos caminhoneiros.

Caminhoneiros durante a semana de protestos na Marginal Tietê - Zanone Fraissat/Folhapress

Entre 2007 e 2016, o número de motoristas de caminhão de rotas regionais e internacionais, com carteira de trabalho assinada, aumentou 49%, atingindo um total de 877 mil.

No mesmo período, a quantidade de profissionais com ensino superior completo dentro dessa mesma ocupação cresceu 290%, passando de 1.548, em 2007, para 6.044, em 2016. Embora muito pequeno, o número de caminhoneiros com mestrado e doutorado também cresceu de, respectivamente, 45 e 16 para 82 e 39.

Outros dados —retirados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais)— indicam que não se trata de um movimento isolado.

O número de faxineiros registrados aumentou 57% no país entre 2008 (quando a categoria foi reclassificada pelo Ministério do Trabalho) e 2016, chegando a 1,34 milhão. Já o estoque de profissionais com ensino superior completo desempenhando essa função subiu 391%, oscilando de um total de 3.000 para 14.738.

Ficarei nesses dois exemplos, mas a lista parece bem mais longa e exige uma reflexão sobre nosso futuro.

Faxineiros e motoristas desempenham, sem dúvida, um papel importante no mercado de trabalho e merecem todo nosso respeito.

Mas é difícil acreditar que quem dedica tempo e dinheiro para conquistar um diploma universitário não aspire atuar em segmentos que requisitem essa formação e paguem melhores salários.

Há algumas hipóteses para explicar por que esse processo tem falhado no país.

Uma delas é que a baixa qualidade da educação, tanto a básica quanto a universitária, esteja levando potenciais empregadores a rejeitar profissionais com formação em teoria suficiente, mas, na prática, deficiente.

A outra é que as pessoas estejam investindo em carreiras que simplesmente não sejam tão demandadas pelo mercado, o que pode ter piorado com a recessão.

Provavelmente há outras explicações, mas, sem uma análise rigorosa de dados e informações, continuará sendo difícil fazer um diagnóstico mais preciso.

Um dos entraves ao avanço de pesquisas sobre o tema é a falta de estatísticas que permitam identificar o destino de quem termina o ensino superior, tanto por curso quanto por instituição.

É uma agenda urgente para um país que precisa crescer novamente, e de forma sustentada. Nos anos de crescimento econômico antes da crise, a queixa sobre a falta de profissionais com formação adequada virou uma espécie de mantra empresarial.

Com o rápido avanço da revolução digital, a exigência em relação à educação de qualidade tem aumentado ainda mais.

Se não nos ocuparmos disso, correremos o risco de perdermos postos de trabalho repetitivos que serão substituídos pela tecnologia, sem a contrapartida de uma ampla geração de vagas mais sofisticadas para desempenhar tarefas de perfil analítico e inovador.

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