Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

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Esper Kallás

Vírus que dão nos nervos

Muitos agentes infecciosos atacam o sistema nervoso e deixam sequelas

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Vírus podem atacar os nervos. E vários deles o fazem.

A história voltou à pauta quando grande porcentagem dos acometidos pela Covid-19 relatou falta de olfato ou paladar. Esses achados acenderam a suspeita de que o novo coronavírus também estaria comprometendo o sistema neurológico.

Um exemplo marcante é o vírus da poliomielite. Depois de transmitido por via respiratória, acomete os nervos e pode levar a sequelas permanentes e mesmo à morte, por paralisia de nervos responsáveis pela respiração.

Há ainda exemplos da família de retrovírus, que inclui o HIV. Esses atacam, preferencialmente, as células que estão na medula óssea, no sangue e também as células nervosas. O HIV pode levar a alterações cerebrais graves.

Em 2015, o Brasil foi tomado pela epidemia de zika. O que inicialmente parecia ser uma doença banal, deu lugar à grande consternação nacional e mundial devido às malformações em bebês de mulheres infectadas durante a gravidez. A síndrome congênita da zika é a principal consequência do ataque que o vírus faz às células nervosas do feto, podendo causar terríveis danos à formação da arquitetura cerebral e microcefalia.

A Covid-19 parecia se tratar de uma doença respiratória com acometimento pulmonar por vezes muito grave e com risco de morte, com necessidade de suporte intensivo para manutenção da oxigenação. Todavia, ao longo do percurso da pandemia, foram reveladas outras consequências da infecção pelo novo coronavírus: o comprometimento dos processos de coagulação e, mais uma vez, o acometimento de nervos.

Uma das sequelas mais frequentes da Covid-19, transitória na maioria das pessoas, a perda do olfato e do paladar, ocorre justamente em consequência do comprometimento da circuitaria neuronal que participa destes sentidos.

Outras complicações neurológicas em decorrência do novo coronavírus são menos comuns, mas mais preocupantes. Incluem casos agudos mais graves, como inflamação do cérebro , episódios de derrame (acidente vascular cerebral), bem como dor de cabeça mais prolongada e de difícil controle, tonturas e alterações de memória e concentração.

Aos poucos, ficam mais claras a intensidade e frequência destas complicações, especialmente as mais sutis, que demandam maior tempo de observação e testes mais acurados, que podem comprovar direta associação com a Covid-19.

O efeito de um vírus nos nervos é difícil de ser percebido. No caso do vírus da zika e do novo coronavírus, foram precisos meses de acompanhamento dos pacientes para termos mais evidências do que estava acontecendo.

Isso reflete uma das características do sistema neurológico. Como muitos sintomas podem ser mais discretos, diluem-se no diagnóstico da síndrome infecciosa, dominada pelo acometimento mais agudo de outros órgãos e sistemas. Tornam-se, portanto, mais evidentes somente a médio ou longo prazo.

Manifestações neurológicas de doenças infecciosas devem sempre estar no radar das investigações médicas e até mesmo de indicadores em saúde pública. No caso da microcefalia associada à zika, o monitoramento histórico do tamanho médio da cabeça de recém-nascidos brasileiros foi o que permitiu identificar a grave consequência da infecção.

As pistas podem ser sutis, mas as consequências têm potencial de impacto significativo.

O investimento na monitorização cuidadosa das doenças, inclusive do sistema nervoso, faz enorme diferença na construção da base de atenção à saúde da população para monitorar doenças virais.

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