Ezra Klein

Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ezra Klein
Descrição de chapéu partido democrata

O que Biden 2024 tem que Biden 2020 não tinha

Comentários que enfocam apenas a idade do presidente deixam de levar em conta seus crescentes pontos fortes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Inúmeros comentaristas andam instando o presidente Joe Biden, gentilmente ou nem tanto, a agir de acordo com sua idade e a se distanciar da disputa. Levando em conta apenas a idade, compartilho esse pensamento. Não acho que queremos um presidente encerrando seu segundo mandato quando está mais perto dos 90 anos que dos 80. Mas nunca podemos levar em conta só um fator. E os comentários que enfocam apenas o maior ponto fraco de Biden deixam de levar em conta seus crescentes pontos fortes.

Uma razão por que hesito em declarar Biden velho demais para se candidatar em 2024 é que em 2020 eu também pensava que sua idade fosse um problema. Tudo o que as pessoas dizem sobre sua idade hoje então era verdade. Durante a campanha, ele se mostrou vacilante. Atrapalhava-se com palavras e frases.

O presidente Joe Biden durante o discurso do Estado da União; ao fundo, a vice Kamala Harris e o líder da Câmara, Kevin McCarthy, no Capitólio, em Washington
O presidente Joe Biden durante o discurso do Estado da União; ao fundo, a vice Kamala Harris e o líder da Câmara, Kevin McCarthy, no Capitólio, em Washington - Andrew Caballero-Reynolds - 7.fev.23/AFP

Mas argumentaria que o problema era pior então. Os tropeços linguísticos andavam de mãos dadas com uma visão envelhecida. Biden costumava relembrar com carinho seus relacionamentos com senadores segregacionistas e parecia pensar que o bipartidarismo do passado poderia ser recuperado no presente.

Ostentava seu elo com Barack Obama como lança e como escudo; foi o caso de sua candidatura e da sua defesa constante contra ataques. Mas Biden não era Obama, e o Senado dos anos 1970 ficou no passado. Ou seja, o problema em 2020 não era só a idade –era que ele parecia estar atolado no passado.

Mas Biden desmentiu os céticos, como eu, e continua a desmenti-los. Ganhou a primária democrata, apesar de não faltarem rostos mais novos que os eleitores poderiam escolher. Ganhou a eleição geral sem dificuldade, apesar dos tão falados talentos de Donald Trump como lançador de insultos que divertiam as pessoas e como potência nas redes. Os eleitores pareceram satisfeitos com Biden como comunicador.

Campanhas políticas são corridas de velocidade (longas). Mas governar é uma maratona. No ano passado, quando a pauta de Biden passou por dificuldades, voltei a me preocupar com o vigor dele.

Talvez um Biden mais jovem pudesse ter se saído melhor para administrar os relacionamentos no Senado. Mas então ele promulgou medidas importantes –a Lei de Redução da Inflação e a Lei Chips and Science, que canaliza recursos para pesquisas sobre semicondutores e outras de cunho científico— que representaram uma façanha legislativa notável, dada a estreiteza das maiorias democratas no Congresso.

Seu partido desafiou as expectativas nas midterms, ganhando um pouco mais de poder no Senado e mantendo as perdas na Câmara abaixo do previsto. Seu discurso do Estado da União foi visto como um sucesso. Em algum momento, os que continuamos a dizer que Biden é velho demais para a Presidência precisamos levar em conta o que deixamos de captar até agora e talvez ainda não estejamos captando.

As pessoas da minha profissão erguemos nossa vida em torno da nossa mestria das palavras, e por isso superestimamos a importância da eloquência. Gostamos de políticos que falam como se Aaron Sorkin estivesse redigindo suas falas. Mas os eleitores não encaram palavras usadas incorretamente, sentenças intermináveis, pensamentos inacabados e fabulismo ocasional como sendo desqualificadores, como nós os consideramos. Ronald Reagan provou essa verdade, e George W. Bush a comprovou novamente; depois disso, Trump tentou nos ensinar a mesma lição, e agora é a vez de Joe Biden fazê-lo.

E a idade de Biden tem lhe trazido algumas vantagens discretas. Uma delas é que ele habilmente lançou uma ponte entre as divisões demográficas e geracionais dos democratas. Nos últimos anos, o Partido Democrata vem ficando mais jovem, mais progressista, mais instruído e mais online. A política de Biden tomou forma numa era passada, quando os trabalhadores de colarinho azul ainda eram uma base eleitoral fundamental e chamar alguém de "progressista" frequentemente era um insulto.

Quando Biden era mais jovem e mais combativo, ele poderia ter tentado derrotar a ala à esquerda de seu partido. Em vez disso, porém, ele a acolheu e vem fazendo uma administração que realizou uma espécie de síntese. Boa parte da equipe de Biden vem da ala mais jovem e progressista da sigla. Seu grupo central de assessores seniores é composto de partidários de longa data, forjados na mesma era que Biden.

A idade também conferiu a Biden um senso de contenção. Ele não se deleita em ouvir sua própria voz, como foi no passado. Deixa espaço para outros se revelarem aos eleitores –especialmente republicanos. Estamos acostumados com políticos que sempre querem ser o centro da atenção. Mas isso tem custos.

A cientista política Frances Lee, de Princeton, demonstrou que, quando presidentes adotam posturas fortes em relação a questões, provocam reações contrárias enormes a essas posições. O relativo silêncio de Biden talvez seja a razão por que sua agenda política se mantém mais popular que ele próprio e por que houve tanto espaço para os eleitores nas midterms prestarem atenção aos perigos dos republicanos.

E há o que Biden terá em 2024 que ele não tinha em 2020: histórico próprio de atuação. Ele fez aprovar os maiores investimentos em infraestrutura, clima, ciência e tecnologia em uma geração. O desemprego está em 3,4%, o nível mais baixo desde 1969. A inflação está caindo. (À medida que a inflação cair mais, as chances de Biden vão depender mais de o mercado de trabalho continuar apertado que de sua idade.)

Ele mobilizou uma coalizão firme contra a Rússia e está ajudando a Ucrânia a manter sua resistência viva. Converteu a raiva desorganizada de Trump em relação à China em um conjunto de políticas para reduzir a dependência da América e de seus aliados da manufatura chinesa e ativamente desacelerar o progresso tecnológico da China. Biden não ficou mais jovem, mas tem um domínio do presente e um argumento sobre o futuro que não tinha em 2020 –um que nenhum outro democrata (ou republicano) tem agora.

As colunas normalmente terminam apontando para uma certeza. Em vez disso, encerrarei esta assinalando uma incerteza. A idade ou um acidente podem derrubar Biden amanhã. Poderia dizer que isso se aplica a qualquer um de nós, mas a probabilidade de isso acontecer aumenta quando a pessoa está na casa dos 80 anos, e não faz sentido fingir que não é assim. Também me preocupo com como Biden vai se sair contra um republicano mais jovem e cheio de energia que Trump.

Mas a campanha que ele pode travar para se reeleger terá uma força, um propósito e uma substância que não estavam presentes em 2020. E já subestimei Biden outras vezes. A idade tem importância, mas muitas outras coisas também têm, como Biden vive nos fazendo ver.

Tradução de Clara Allain

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.